quarta-feira, 25 de junho de 2014

O olhar de Jaroslava

Caro(a)s leitore(a)s,

No post passado falei um pouquinho sobre o título do blog. Hoje, ainda em ritmo de introdução, vou tratar da imagem que ilustra o cabeçalho da página.

A ilustração é um fragmento da obra intitulada “Retrato da filha de Mucha, Jaroslava”, confeccionada entre os anos de 1927 e 1935 pelo artista tcheco Alphonse Maria Mucha (1860-1939), ou simplesmente, Alphonse Mucha. Desde fins do século XIX, ele é considerado um dos expoentes do estilo Art Nouveau, tendo realizado inúmeras pinturas, desenhos, cartazes publicitários, fotografias, esculturas e joias. A maioria destes trabalhos se encontram expostos no Mucha Museum, em Praga, mas muitos deles são disponibilizados para exibições em galerias ao redor do mundo. Que eu saiba, o Brasil ainda não recebeu nenhuma dessas obras e, então, só nos resta torcer para que um dia nos presenteiem com essas obras-primas!

Jaroslava, a primeira filha de Mucha, nasceu no ano de 1909 em Nova York. Ela foi retratada em diversos trabalhos do pai, não só porque posava para ele, mas também porque o auxiliava como assistente técnica (tais atividades lhe renderam a profissão de conservadora de arte). A tela a óleo que ilustra atualmente o nosso blog foi confeccionada durante a composição da série intitulada “Épico Eslavo”, obras que retratam os principais fatos da história desse povo. Assim, Jaroslava foi retratada com um lenço que nos remete aos turbantes, acessórios típicos do oriente.

Essa pintura se distancia um pouco dos trabalhos gráficos em art nouveau de Mucha, tendo um toque mais clássico. As simetrias das linhas conduzem nossa atenção para o centro do quadro, onde está retratado o rosto de Jaroslava que, ao mesmo tempo, parece exprimir delicadeza e seriedade. O olhar intenso da jovem nos cativa a atenção, dando a impressão de que, a qualquer momento, ela fará uso da famosa fala das esfinges: decifra-me ou devoro-te! Pelos mistérios que guardam este olhar, seja pelas experiências da própria Jaroslava refletidas na tela ou pelos rostos que passaram diante deste quadro, é que hoje ele se encontra no cabeçalho deste blog: para que nos sintamos indagados a cada miragem de Jaroslava sobre nós.

Retrato da filha de Mucha, Jaroslava. c. 1927-35. Óleo sobre tela. 73 x 60 cm. Mucha Foundation.

quarta-feira, 18 de junho de 2014

Seja bem-vindo(a)!

Caro(a) leitor(a), este é um blog reincidente! Seu começo remete há cinco anos, em 2009, quando decidi criar um espaço para publicar meus escritos. Eram produções aleatórias e sem muita importância, o que foi decisivo para a primeira desistência. Algum tempo depois, veio a minha mente a ideia de postar no blog as citações que eu costumava destacar nos livros. Dessa forma, surgiu um blog com um novo perfil. Todavia, novamente, as simples transcrições me cansaram, apesar de as leituras não cessarem. Quase um ano depois, estou retornando, mas agora com uma página envolta em nova roupagem. Pretendo utilizar esse espaço para tratar de literatura, arte e história, curiosidades ou praticidades referentes a esses temas. Enfim, uma página cultural!

E, para começar, acho que devo uma explicação quanto ao título. Embora eu tenha feito certo esforço em busca de um nome interessante e criativo, o título acabou vindo até mim por meio de um livro. Tenho a mania de percorrer todas as linhas de uma obra, desde a ficha catalográfica até os créditos de impressão. E, ao iniciar a leitura de uma edição de bolso de “Filosofia medieval” de Alfredo Storck¹, encontrei, praticamente escondida, a epígrafe que dizia

Lecturis salutem
(Palavras usualmente empregadas
por copistas no início de seu trabalho).

Na mesma hora, tomei a expressão como minha fazendo dela o cabeçalho do blog. E, apesar de tantos recomeços, ainda tenho um certo carinho por ela, o que me faz mantê-la!

Lecturis salutem é uma expressão latina que significa “saudações ao leitor”. Como já dito, era encontrada logo no início dos trabalhos dos copistas medievais. É sabido que antes da disseminação das tipografias, a partir do século XV, as obras eram escritas manualmente por monges que se dedicavam unicamente a essa função. De acordo com o historiador Jacques Verger², especialista em medievalismo, os bons copistas (“scriptorias”) eram raros e trabalhavam lentamente, “por volta de duas folhas e meia por dia, em média”. Portanto, em um ano, um copista tinha condições de produzir mil folhas manuscritas, sem contar as iluminuras, verdadeiras obras de arte. A produção de uma obra durante a Idade Média era, portanto, penosa e onerosa.

Acredito eu, que a partir desse pressuposto, estabeleceu-se uma formalidade entre o produtor e o leitor através da expressão Lecturis salutem. Ela poderia definir uma certa proximidade e, por que não, uma aclamação em respeito ao portador do livro que, afinal, não era de fácil acessibilidade, já que o leitor deveria ser abastado e, ao mesmo tempo, letrado. Não obstante, o copista também era um intelectual e um artista, o qual tinha grande valor na escala social. Portanto, as saudações ao leitor apresentavam-se como um detalhe sutil, mas que não deixavam de trazer uma forte carga de simbolismos.

Apesar de o Brasil ser um país que nasce praticamente junto com a Era Moderna, possuímos um grande acervo de livros medievais. Além dos arquivos particulares, as bibliotecas públicas guardam preciosos tesouros. A principal delas é a Fundação Biblioteca Nacional localizada na cidade do Rio de Janeiro, que teve seu início com a vinda da Família Real portuguesa para o Brasil, em 1808, e que trouxe consigo o acervo do reino composto por mais de sessenta mil peças. Atualmente, a BN passa por um rigoroso trabalho de digitalização de seu acervo, o qual é disposto online para os interessados e curiosos. Para acesso aos livros medievais ou qualquer outra obra, é só clicar neste link: http://bndigital.bn.br/ e ficar por dentro das novidades sobre o passado!

Página do livro "Incip[it] epe'a sci iheronimi ad paulinnu[m] p[re]sbiteru[m] : de omibs divine historie libris" de 1462. Acervo: Fundação Biblioteca Nacional (Brasil). Reparar no carimbo da "Real Bibliotheca".


[1] STORCK, Alfredo Carlos. Filosofia medieval. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003.
[2] VERGER, Jacques. Homens e saber da Idade Média. Bauru: Edusc, 1999.