quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Exposição: Frida Kahlo

Dia 18 passado estive em Curitiba, capital do Paraná, para resolver algumas questões burocráticas e aproveitei para conferir a exposição "Frida Kahlo - as suas fotografias" no Museu Oscar Niemeyer (MON). Na verdade, a visita foi uma espécie de obrigação já que o MON será o único museu do Brasil a expor as fotografias da artista mexicana. Além disso, a exposição estaria disponível para visitação, inicialmente, entre os dias 17 de julho e 17 de agosto deste ano, todavia, só no primeiro dia de abertura o museu bateu recorde de visitação: 1,2 mil pessoas, o maior número desde a inauguração do espaço em 2003. A exposição no MON também já é recorde em âmbito internacional, tendo recebido mais de 50 mil pessoas só no primeiro mês. Devido ao grande sucesso, a mostra foi prorrogada até dia 07 de dezembro. Portanto, a exposição é um evento único do qual eu não podia ficar de fora!



A exposição conta com 240 fotografias do acervo pessoal de Frida Kahlo (1907-1954), imagens que ela foi acumulando e guardando com meticuloso cuidado e carinho ao longo da vida. Anexo à sala, é também exibido um documentário sobre a vida da artista chamado “Natureza ferida. Memória viva de certos dias”, com produção e realização de Salvador Camarena Rosales e Eduardo Patiño, com quase 27 minutos de duração. A exposição se divide em seis seções através das quais vamos conhecendo a história pessoal da Frida, uma das maiores artistas plásticas do século XX. A primeira parte é dedicada aos pais da Frida composta por aquelas fotografias de família que retratam ocasiões especiais, como primeira comunhão, casamentos e festas. Por meio dessas imagens, somos apresentados ao universo oitocentista mexicano, apesar da particularidade das famílias Calderón e Kahlo.

Frida com 5 anos. Anônimo (1912). Museu Frida Kahlo. (MON, divulgação)

Na segunda seção já somos conduzidos ao mundo de Frida. Lá estão as fotografias que retratam os principais eventos de sua vida, como os dias em que ela repousou em sua cama para se recuperar das cirurgias que havia feito em decorrência de um grave acidente e ganhou de seu pai um cavalete adaptado para poder continuar a se dedicar à pintura; os belos momentos entre amigos e ao lado de seu grande amor, Diego Rivera, na sua Casa Azul.

Frida pintando em sua cama. Anônimo (1940). Museu Frida Kahlo. (MON, divulgação)

A terceira seção é bem curiosa e nos mostra o lado mais íntimo de Frida. Há fotografias que sofreram intervenção da artista, foram coloridas por ela, recortadas, ou até mesmo ganharam os contornos de sua boca, na forma de um beijo! Essas fotografias estão repletas de simbolismos e poesia. A quarta parte expõe a vida íntima por meio de fotografias de amigos e amores. A quinta seção traz fotografias de diferentes temas reunidas por Frida, como cartões de visita típicos do século XIX e retratos de grandes fotógrafos e de amigos pessoais. A sexta e última seção foi reservada para as imagens referentes à questões políticas, principalmente as ligadas ao partido comunista, ao qual Frida era associdada, e também às grandes fábricas do período, como a montadora Ford.


Diego Rivera (no seuestúdio de San Ángel). Anônimo, (ca. 1940). Museu Frida Kahlo. (MON, divulgação) 

Segundo a historiadora Ana Maria Mauad Essus a fotografia é uma importante fonte para conhecer a trajetória de personalidades, famílias ou grupos sociais. Para ela, as fotos possuem mensagens que, ao serem analisadas, possibilitam a recuperação de representações. De acordo com Miriam Moreira Leite, esse exercício de leitura da imagem é significativo no momento em que a fotografia "reproduz da condição do retratado, o que silencia desse grupo e os indícios que permitem o observador perceber ou sentir outros níveis de realidade: sentimentos, padrões de comportamento, normas sociais, conformismo e rebeldia”. Portanto, através da leitura do acervo de fotografias de Frida Kahlo podemos conhecer pormenores e paricularidades do cotidiano e também dos sentimentos que acompanhavam a artista. Com certeza, saímos de lá com "uma parte" da alma de Frida, tão bem preservada em imagens eternas.

Registro da minha presença na exposição.

quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Um livro que leva a outro, ou como conheci Janusz Korczak

Quem gosta de uma boa leitura não precisa de muito pra abrir um livro: uma capa charmosa, um pocket que dá pra levar pra todo lugar, um preço em conta. Às vezes, o próprio livro te leva a outra leitura. E isso está cada vez mais comum. Muitos jovens, após lerem a série Crepúsculo, foram em busca do livro da Emily Brontë, o clássico “O Morro dos Ventos Uivantes” que é citado durante a história. E, mais recentemente, as vendas do “Diário de Anne Frank” aumentaram graças à febre do autor John Green, “A Culpa é das Estrelas”, devido à visita dos protagonistas a casa onde a jovem se refugiou durante a 2ª Guerra Mundial.

Esse tipo de coisa já aconteceu comigo também, é claro! Mas há um caso especial que se destaca entre os demais. Ocorreu durante a leitura do romance de Diane Ackerman, “O Zoológico de Varsóvia”. Essa obra é baseada em fatos verídicos e transporta o leitor para os anos da Segunda Grande Guerra. Acompanha-se os detalhes desse acontecimento não pelo ponto de vista dos detentores do poder nazista, mas sim, por meio de simples pessoas, testemunhas oculares dos horrores da destruição, que vivenciaram e sofreram num dos piores momentos da história da humanidade.


Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.

Jan e Antonina formaram um casal apaixonado por animais que cuidou e direcionou o Jardim Zoológico de Varsóvia, capital da Polônia. Através dos escritos de Antonina, a autora Diane Ackerman revela o dia-a-dia dos cuidados do zôo e é quase possível sentir a brisa fria e o cheiro das flores de tília, como também os zunidos dos animais. Aos poucos, o leitor se depara com os rumores de guerra e também sofre com as expectativas. Até que, os boatos ficam para trás e dá-se início à essa terrível batalha que se tornou a mais injusta e impiedosa, tanto por seus macabros ideais, como também pela sua artilharia.

Jan e Antonina tiraram partido da obsessão dos nazistas com animais raros, "para salvar centenas de vizinhos a amigos ameaçados de extinção". Esconderam pelo território do zoológico e também na própria casa, quantos refugiados judeus puderam, colocando em risco suas vidas. O zoológico era um dos terrenos mais visados pelos alemães, "o coração do acampamento nazista", sendo inclusive alvo de suas caminhadas par se exercitar, e foi uma difícil tarefa mantê-los longe de suspeitas sobre o que realmente acontecia ali dentro.

Ao longo do livro, histórias paralelas de outros heróis são contadas, altruístas que dedicaram suas vidas a salvar outras, que disseram apenas que não fizeram nada mais do que era o certo a ser feito. Foram "pessoas comuns, nem impecáveis nem mágicas, e que a maioria permanece desconhecida a vida inteira, embora opte por perpetuar a bondade, mesmo em pleno inferno".


Uma dessas pessoas citadas no livro me chamou atenção. Seu nome é Henryk Goldzmit, mas seu pseudônimo é mais famoso: Janusz Korczak (1878-1942). Médico que exercia a pediatria, Korczak abandonou sua carreira promissora em 1912 para fundar um orfanato destinado a crianças de sete a quatorze anos de idade. Quando, em 1940, os judeus receberam ordens nazistas de se mudarem para o Gueto de Varsóvia, o orfanato foi transferido para o “bairro dos amaldiçoados”. Lá, Korczak protegeu, o quanto pode, crianças inocentes das atrocidades de um dos períodos mais tenebrosos da história. Todavia, o dia da deportação para o campo de extermínio chegou em 6 de agosto de 1942. Korczak, prevendo a calamidade e o pavor que tomaria conta daquelas pobres crianças, juntou-se a elas no trem destinado a Treblinka. No relato de Joshua Perle, testemunha ocular do fato, assim foi descrita a cena: “Ocorreu um milagre: duzentas almas puras, condenadas à morte, não choraram. Nenhuma delas fugiu. Ninguém tentou se esconder. Como andorinhas abatidas, elas se agarraram a seu mestre e mentor, a seu pai e irmão, Janusz Korczak”.

As crianças a caminho de Treblinka. Fonte: Michael Radoszewski

A força e a compaixão de Korczak por aquelas crianças também me comoveu e eu precisava saber mais desse ser humano tão corajoso e abnegado. Foi assim que eu descobri o lado pedagógico de Korczak. Ao se dedicar às crianças do orfanato, ele se tornou um verdadeiro educador. Foi precursor na luta em prol dos direitos da criança e do reconhecimento de total igualdade infantil. Registrou seu conhecimento e experiência em diversos livros especializados e também em romances. Dessa forma, cheguei a um de seus livros intitulado “Quando eu voltar a ser criança”. Nele, um adulto cansado de seus problemas sonha com os tempos áureos da infância e magicamente volta a ser uma criança. Sem perder a memória de adulto, ele revive as descobertas da infância através dos olhos da criança que se tornou.

Tradução de Yan Michalski. São Paulo: Summus, 1981. 16ª edição.

Em fevereiro de 2010, logo após a leitura do livro, eu escrevi sobre: O mundo nos molda, pressiona e aperta, até adquirirmos o formato da dureza, fruto das vivências. Porém, já houve uma fase em que a pureza habitava nosso ser. É provável que ainda guardemos alguns resquícios desse longínquo tempo chamado infância, mas, com certeza, muitas são as lembranças que já se apagaram. Quando nos deparamos com uma criança, parece que nos esquecemos de vez que um dia já fomos uma. Impomos nossa força e inteligência sobre elas, crendo na nossa superioridade. Nossa mente anda tão poluída com as preocupações do mundo adulto que acabamos por ignorar tudo o que se passa dentro desses pequenos seres. "Quando eu voltar a ser criança" é um livro encantador que, por meio dos olhos de uma criança, (re)ensina todos os sonhos, medos, descobertas, perdas, alegrias e tristezas de que é feito o mundo infantil. Um mundo tão cheio de cores, mas que podem se desbotar quando a inocência perde espaço para a realidade do crescer.

Espero que aqueles que estiverem lendo este texto também se sintam tocados pelo belo exemplo de Janusz Korczak e busquem conhecê-lo melhor através de seus livros e de sua história.


quarta-feira, 3 de setembro de 2014

O charme da BKF

Há certas coisas nesse mundo que, muitas vezes, estão distantes de nossa realidade, mas fazem parte de nosso imaginário. O maior exemplo disso, para mim, é a cadeira BKF. Antigamente, eu nem sabia que esse era o seu nome, na verdade, não tinha informação alguma sobre a peça, mas, dentre os móveis de brinquedo da minha boneca Barbie tinha uma BKF, à qual eu chamava de cadeira borboleta. De onde eu havia conseguido essa informação, eu não faço ideia. Só sei que não foi infundada, já que a partir da Segunda Guerra Mundial, quando o direito de produção da BKF foi comprado pela empresa norte-americana Knoll, ela passou a ser chamada de Butterfly.

Acredito que, muitas pessoas como eu, já ouviram falar da BKF, conhecem-na por nome ou por fotografia, mas nunca tiveram oportunidade de ter informações mais precisas. Pensando nisso, trago para o post de hoje um pouco da história dessa cadeira, considerada uma das grandes obras do design industrial.

A BKF foi desenhada em 1938 pelos arquitetos do Grupo Astral, o catalão Antonio Bonet (1913-1989) e os argentinos Juan Kurchan (1913-1972) e Jorge Ferrari-Hardoy (1914-1977), cujas iniciais deram o nome à peça. Os três se conheceram em 1937 nos estúdios de Le Corbusier em Paris. Ter convivido e trabalhado com o “Bach” da arquitetura foi, provavelmente, a grande influência para a criação de um dos ícones da modernidade. A BKF é composta por uma estrutura curva de aço de 12 mm formada por uma espécie de dois triângulos cruzados os quais são forrados por uma peça de couro. Visualmente, ela proporciona a impressão de leveza e simplicidade ao misturar os conceitos de rusticidade e industrialização.

Fonte: arxiubak.blogspot.com.br

É claro que os artistas, apesar da criatividade, também se apropriaram da evolução estética do mobiliário para criar a BKF. Dessa forma, vemos uma grande semelhança entre a BKF e a Tripolina, cadeira em madeira de acampamento militar criada pelo inglês Joseph B. Fenby ainda no século XIX. Por sua vez, essa mesma cadeira foi inspirada pelas mobílias de viagem que precisavam ser leves, práticas e confortáveis.

Em julho de 1940, a BKF foi exposta na terceira edição do Salon de Artistas Decoradores de Buenos Aires onde conquistou dois prêmios e reconhecimento nacional e internacional. A BKF também atraiu a atenção do Curador de Design Industrial do Museum of Mordern Art de Nova York, Edgar Kaufmann jr. [sic] (ele não gostava do “júnior” em letra maiúscula). Kaufmann declarou que a BKF era um dos maiores esforços do design moderno e comprou dois exemplares por 25 dólares cada, sendo um deles reservado para compor o acervo permanente do museu.

 Exemplar original pertencente ao acervo do MOMA. Fonte: MOMA.

Em 1944, a BKF ganhou o prêmio de Aquisição do MOMA e, no ano seguinte, foi exposta no Pavillion Jeu de Pomme de Paris. De invenção e objeto de arte, a cadeira BKF se tornou popular e passou a fazer parte de muitos lares, principalmente após a Segunda Guerra Mundial. Importantes personalidades adotaram a BKF como uma espécie de cadeira inspiradora! Os seus traços simples em conjunto com o aspecto grosseiro do couro permitiam ao usuário a adoção de diversas posições, proporcionando a sensação de aconchego do deitar em uma rede, elemento tão comum da cultura argentina.

Ítalo Calvino e sua BKF. Fonte: byricardomarcenaro.blogspot.com.br

Atualmente, é muitíssimo difícil conseguir um exemplar original, mas há muitas empresas de design de interiores especializadas na reprodução fiel da cadeira modernista. Inclusive, o couro tem sido substituído por diversos tipos de tecidos e estampas. Apesar de seus 76 anos, a BKF ainda é muito popular, mas, como manifestaram os autores, ela é mais do que um simples objeto funcional, é também uma obra de arte. E, hoje, ainda traz consigo uma forte carga cultural. Quem tem o privilégio de ter uma BKF decorando a sua casa, não tem apenas um cadeira, mas um dos melhores exemplos de escultura contemporânea.

As diferentes formas de se sentar numa BKF. Fonte: es.paperblog.com