quarta-feira, 2 de setembro de 2015

A história do Brasil nas ruas de Paris

Sou o tipo de pessoa que, antes de viajar, faz um apanhado de tudo o que merece ser visitado. É claro que é muito bom ter aquela sensação de se descobrir num lugar desconhecido, mas muitas coisas interessantes podem passar despercebidas se confiarmos apenas nos nossos passos.

Um dos meus sonhos (e de grande parcela da humanidade!) é conhecer Paris, "la plus belle ville du monde", como diz a canção. Um dos meus estímulos é o estudo de francês, mas, também, poder estar na "capital do mundo", palco de grandes fatos históricos e lar de ilustres personalidades. Ir a Paris já tem a sua graça, mas ir a Paris com uma bagagem cheia de curiosidades sobre seus monumentos e traçado, é muito mais interessante.

Como disse Manuel Bandeira, quem vai a Paris, volta cheio de Paris. Mas, o que muita gente não sabe, é que uma ida à Cidade Luz pode desvendar muitos segredos sobre a origem do próprio viajante. Foi o que descobri com a leitura do livro "A história do Brasil nas ruas de Paris", publicado no ano passado pela Casa da Palavra. Seu autor, o brasileiro Maurício Torres de Assumpção, residente em Paris há alguns anos, teve sua atenção despertada para certos detalhes nas ruas da capital francesa. Aqui e acolá, o nome de uma personalidade brasileira despontava numa placa ou monumento da cidade e, por trás de suas "pedras empoeiradas", ele descobriu que havia muitas histórias pitorescas e emocionantes carregadas de essência humana. Aprofundando-se em suas pesquisas, Assumpção decidiu, por fim, registrá-las em livro, para nossa sorte!

A capa do livro e uma pequena contribuição minha.

"A história do Brasil nas ruas de Paris" trata de fatos da história brasileira que, vão muito além de uma simples relação com a capital francesa, mas que foram responsáveis por deixar a marca do Brasil nos anais da França. Assumpção narra 200 anos de história, desde o início do século XIX até os dias atuais, desvendando curiosidades sobre Paris e, de quebra, fornecendo muita informação sobre a formação de nosso país e a criação de sua imagem no exterior.


O livro é dividido em sete capítulos, cada um responsável por um tema ou uma personalidade brasileira que revela "a saga dos brasileiros que deixaram seu legado na cidade de Paris – seja um legado concreto, literalmente, como o de Oscar Niemeyer; ou contribuições para o desenvolvimento da ciência e tecnologia, como fizeram D. Pedro II e Alberto Santos Dumont; ou, ainda, uma melodia no coração dos parisienses, cortesia de Heitor Villa-Lobos."

Nas quase 500 páginas, Assumpção narra com propriedade e com muitíssimos detalhes as histórias fascinantes dos monarcas D. Pedro I e II, as esquisitices dos positivistas, as invenções mirabolantes de Santos Dumont, a formação de Villa-Lobos e os talentos de Lúcio Costa e Oscar Niemeyer. Acabamos por conhecer as histórias da França e do Brasil e, também, a biografia desses personagens que, de tão ilustres, acabam se tornando distantes de nós; seus nomes há tanto tempo fazem parte de nosso cotidiano que, às vezes, nem sabemos ao certo o por quê da veneração que a eles é disposta.

Além do conteúdo, que é de fácil assimilação, devo destacar a diagramação do livro. As páginas com as notas, por exemplo, se encontram ao fim de cada capítulo, mas são de cor diferente, o que facilita (e muito!) na hora de buscar as referências. Há também fotografias belíssimas que ilustram as principais curiosidades e QR Code's para agilizar na busca de um vídeo no Youtube. No entanto, acredito que o principal diferencial do livro é dispôr, de forma simples e clara, os endereços de todas as locações citadas no livro. Assim, além de narrar sobre os principais fatos da relação entre Brasil e França, o livro se torna uma espécie de guia para o turista brasileiro que poderá visitar os locais citados com extrema facilidade, pois o autor disponibiliza todas as informações possíveis, desde o endereço e como chegar até lá, além dos dias e horários em que estarão disponíveis.

Devo ressaltar que tamanha abordagem se fez através de uma pesquisa a muitas instituições, como museus, bibliotecas e arquivos, além de entrevistas, e com base numa bibliografia bem fundamentada que conta com nomes de historiadores renomados, como José Murilo de Carvalho e Lilia Moritz Schwarcz.

A leitura desse livro foi agradabilíssima e, tenho certeza, que quando eu tiver a oportunidade de estar na Cidade Luz, a "flanêrie" por suas ruas será muito mais proveitosa e emocionante. Portanto, o livro está mais do que recomendado: é uma obrigação aos amantes de Paris! Espero que muitos possam ter a oportunidade de viajar nessa aventura sem fim, afinal, a história continua! À bientôt, mes amis!


quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Além de caule e folhas: simbolismos da Ginkgo biloba

Desde a primeira vez que vi uma árvore de Ginkgo biloba eu fiquei fascinada. Não que ela se destacasse muito dentre outras árvores, mas sim, devido à sua folhagem. As folhas de Ginkgo biloba possuem um formato diferente das que estamos acostumados a ver, e isso foi o suficiente para eu me apaixonar. Inclusive esperei o inverno chegar para guardar comigo um exemplar de uma das folhas que caiu da árvore. Essa espécie é caduca, ou seja, perde todas as suas folhas no inverno que, de verdes, passam a um lindo tom amarelado. Lá se vão cinco anos e cá está a folha comigo!


Minha folha de Ginkgo biloba.

Se não bastasse toda essa paixonite, eu ainda dei uma de curiosa e passei a pesquisar mais sobre a árvore. E aí que eu fui definitivamente cativada. Primeiramente, descobri que a árvore é considerada um fóssil vivo*, pois ela existe desde o período Jurássico, ou seja, há mais de 200 milhões de anos. Com o cataclismo que extinguiu os dinossauros, muitas variantes de Gingko biloba também deixaram de existir. Cientistas europeus acreditaram, até o século XVII, que essa espécie estava totalmente extinta, quando o pesquisador alemão Engelbert Kaempfer encontrou um exemplar no Japão em 1691. As árvores de Ginkgo biloba sobreviveram na Ásia, principalmente no Japão, China e Coreia, onde foram cultivadas em mosteiros e templos. Provavelmente, a árvore de Ginkgo biloba é hoje uma das mais antigas do planeta!

Não fui somente eu fascinada pela sua beleza. Desde o século XI, há registros da árvore na literatura, arte e medicina orientais. No entanto, as propriedades da Ginkgo biloba já eram exaltadas desde o século V a. C., principalmente por Confúcio (551-487 a. C.) que amava ler, meditar e ensinar sob as copas da árvore. Toda a cultura oriental se apropriou da árvore, até mesmo os coques masculinos e femininos das dinastias japonesas foram inspirados no formato das folhas de Ginkgo biloba.

Detalhe de um mural chinês  (séc. V) representando Confúcio sob uma árvore de Ginkgo biloba (à direita). 

"Miss Ginkgo". Kitagawa Utamaro. Japão, período Edo, c. de 1793.


E isso, claro, fazia referência não só à sua estética, mas também, aos seus aspectos simbólicos. Até hoje, a espécie de Ginkgo biloba é motivo de veneração, como uma árvore sagrada, um símbolo de união dos opostos, fazendo referência ao yin e yang, pois a Ginkgo biloba é uma espécie dioica, isto é, possui os órgãos reprodutores masculino e feminino. O “biloba” do nome, inclusive, faz referência ao tema da dualidade e se refere à estrutura de dois lóbulos da folha da árvore.

Para muitos, a espécie também é tida como símbolo da permanência, por sua força e longevidade, não somente por ter sobrevivido ao desastre que extinguiu os dinossauros, mas também, por ter resistido a um outro: o da bomba atômica. Após o ataque de 6 de agosto de 1945 a Hiroshima, no Japão, constatou-se que muitos espécimes de Gingko biloba, afastados cerca de 1 km do local atingido, não haviam sofrido danos. Após esse fato, além de estar relacionada à resistência e vitalidade, a árvore de Ginkgo biloba passou a representar esperança e paz.

Uma coisa curiosa é que seu caráter simbólico se mistura também com suas propriedades físicas. O nome Ginkgo biloba não é estranho a muitas pessoas, pois suas sementes e folhas são utilizadas pela indústria farmacêutica para a confecção de remédios, principalmente, àqueles destinados ao desempenho do cérebro, relativos à concentração e memória. Como já dissemos anteriormente, a espécie de Ginkgo biloba é antiquíssima e, por esta razão, é tida como portadora de uma existência longa e, portanto, de uma memória longínqua. Há uma bela frase do paleobotânico Sir Albert Seward (1938) sobre isso: "A árvore de Ginkgo biloba invoca uma alma histórica: vemo-la como um emblema da imutabilidade, uma herança de mundos muito remota para a compreensão de nossa inteligência humana, uma árvore que mantém segredos de um passado imensurável".

Ao chegar ao Ocidente, após a descoberta do cientista alemão, a árvore de Ginkgo biloba passou a ser idolatrada pelo mundo inteiro. Grandes artistas a tomaram como inspiração para suas obras. Goethe fez um poema; o movimento Art Nouveau a imortalizou em pinturas, móveis e construções; e hoje, suas folhas são encontradas, desde vestimentas, joias e tatuagens, até no design de postes de iluminação e tampas de bueiros.

Poema de Goethe (1815).

Antes de terminar, preciso destacar só mais um detalhe. Pitágoras já revelou que a natureza é lógica e que há proporção em toda a sua forma. As folhas de Ginkgo biloba, como tantos elementos naturais, também se enquadram na Sequência de Fibonacci, ou Razão Áurea, que foi muito utilizada na arte para alcançar a regularidade e beleza estética. Talvez esteja aí o segredo para tanto deslumbramento!

Espécimes de um parque na Bélgica. Jean-Pol GRANDMONT.

Para saber mais:
http://kwanten.home.xs4all.nl/
http://ginkgopages.blogspot.com/



*O termo “fóssil vivo” foi criado por Charles Darwin na sua obra “Origem das Espécies”de 1859.

quarta-feira, 12 de agosto de 2015

Workshop Restauro de Jardins Históricos

Entre os dias 21 e 23 de abril estive em Juiz de Fora (MG) para participar do Workshop Restauro de Jardins Históricos promovido pela Fundação Museu Mariano Procópio, em colaboração com a Escola de Belas Artes/UFRJ, e com o apoio da Rede de Gestores de Jardins Históricos e da Fundação Casa de Rui Barbosa


O objetivo do workshop foi fornecer as bases necessárias para a confecção de um projeto de restauro, baseando-se nas experiências do processo de restauração do jardim da Fundação Museu Mariano Procópio e sua abertura ao público na totalidade da área verde que contempla. Os trabalhos foram coordenados pela Professora Cristina Castel-Branco* em colaboração com Raquel Carvalho**, ambas arquitetas paisagistas de origem portuguesa com longos anos de experiência na área de restauro de jardins históricos.

No primeiro dia, logo de manhã, tivemos uma aula teórica sobre as regras de restauro do patrimônio utilizadas pelo ICOMOS, os problemas mais recentes de bacias visuais em torno do patrimônio e a apresentação de casos de sucesso e insucesso. Dentre as metologias de restauro, estudamos três delas. Primeiramente, vimos os quatro princípios postulados por Carmem Añon que consistem em: 1. Respeito pelo traço existente; 2. Os contributos de outras épocas têm de ser valorizados (é preciso encontrar estratégias que possibilitem a harmonia entre as camadas de tempo); 3. Evitar as dissonâncias (o ambiente do jardim deve remeter ao tempo de sua origem); 4. Realizar um estudo aprofundado do objeto pois as soluções se encontram nele próprio. Em seguida, verificamos as metodologias do National Trust, de origem inglesa, que nos dá as bases do jardim aberto ao público. O NT postula, primeiramente, o interesse histórico-cultural do espaço de um lado, e o interesse funcional de outro. Através da análise desses dados, encontra-se uma definição de zonas homogêneas que contemplem esses dois interesses. A partir daí são traçados os objetivos estratégicos, as técnicas de restauro que serão empregadas, a confecção de um Plano Diretor para o desempenho das atividades e, por fim, a consulta de profissionais gabaritados. De uma forma descontraída, também comparamos o restaurador de jardins com um barbeiro que, se vendo diante de um cliente praticamente calvo precisa 1. proteger o que existe; 2. melhorar o que ainda há; e 3. Só então inventar. Tais princípios se baseiam nas diretrizes de Laurie Olin que enfatiza o respeito ao projeto original e defende as invenções somente no fim da intervenção.

Após a aula teórica, todos os participantes foram divididos em cinco grupos: 1. História e Usos; 2. História e Restauro; 3. Botânica; 4. Hidráulica e; 5. Composição e envolventes. Cada grupo ficaria responsável pelo levantamento de dados, dos seus respectivos objetivos, em relação ao jardim do Museu Mariano Procópio. Essa divisão foi feita pelas coordenadoras do Workshop baseado nos currículos dos participantes presentes. Eu, juntamente com mais dois historiadores e uma estudante de arquitetura, ficamos responsáveis pelo grupo 1: História e Usos. Nós quatro nos dirigimos ao jardim e fomos guiados pelo Professor Carlos Terra, da Escola de Belas Artes/UFRJ, que nos forneceu informações históricas sobre a propriedade e despertou nossa atenção para os elementos paisagísticos. Depois da visita ao jardim, já na parte da tarde, colocamos nossas observações no papel e as apresentamos para os demais grupos.

Fazendo anotações em meio a belíssima paisagem do jardim.

Professora Cristina Castel-Branco.

Grupo "História e Usos" com o professor Carlos Terra.

Preparo da apresentação.


No dia seguinte, formamos novos grupos (ambiente, patrimônio, comunidade, turismo), a fim de aplicar os processos de análise, diagnóstico e preparação do produto final, através da confecção de uma planta com uma memória descritiva das linhas mestras de um Plano Diretor de Restauro. Diferentemente do dia anterior, neste podíamos optar em qual grupo participar. Escolhi o de turismo e dividi os trabalhos com dois arquitetos e duas paisagistas. Pontuamos os problemas, levantamos os potenciais turísticos e elaboramos um projeto que priorizava a autossustentabilidade do Museu, através da cobrança de ingressos e gift shop, e a fácil acessibilidade e assimilação do ambiente pelo público. Acabamos ganhando uma menção por melhor proposta!


Por fim, no terceiro e último dia, preparamos um projeto final de restauro por meio da reunião de todas as atividades organizadas pelos grupos ao longo dos dois dias passados. Foi então que percebemos o quanto de conhecimento havíamos conseguido reunir num curto espaço de tempo. Sem dúvida, a sensibilidade das coordenadores possibilitou uma otimização do evento com a troca de experiências e saberes entre os diferentes profissionais, onde cada um pode contribuir com sua formação e receber muito conhecimento. Além de tudo o que aprendi (que está sendo de grande valia para repensar o Parque São Clemente), vivi três dias intensos repletos de experiências maravilhosas, realizando o meu antigo sonho de conhecer tanto o jardim como a casa de Mariano Procópio, e reencontrando e ganhando amigos excepcionais.

Apresentação final.

Arquitecta Paisagista formada pelo Instituto Superior de Agronomia, de Lisboa, em 1985, responsável pelo ACB Arquitetura Paisagística. Bolseira Fullbright–ITT, Mestre em Arquitectura Paisagista pela Universidade de Massachusetts em 1989. Doutorou-se em 1993 e fez a Agregação em 2006 no I.S.A., onde lecciona desde 1989 nas áreas de História de Arte de Jardins e Material Vegetal, desenvolvendo depois áreas de ensino em Ecologia da Paisagem e Restauro de Património Paisagístico e Projeto de espaços públicos. Presidiu à Secção de Arquitectura Paisagista durante dez anos e fez parte do Conselho Directivo do I.S.A. de 1993 a 1995. Em 1994 faz parte da equipe fundadora do Centro de Ecologia Aplicada no Instituto Superior de Agronomia. Actualmente é das disciplinas de História e Teoria da Arquitectura Paisagista da licenciatura, Projecto e Crítica da Paisagem e Recuperação e Gestão de Paisagens Culturais do Mestrado em Arquitectura Paisagista e dirige o Doutoramento em Arquitectura Paisagista e Ecologia Urbana (LINK), terceiro ciclo de Bolonha nesta área. Este Programa Doutoral criado em associação entre as Universidades Técnicas de Lisboa, de Coimbra e do Porto, duran desde 2009/2010. Cristina Castel-Branco leccionou como docente convidada em níveis de pós-graduação nas Universidades de Madrid, Manchester, Granada, Porto, Coimbra,,Tóquio, Ljubljana, e dirigiu o restauro do Jardim Botânico da Ajuda (1994-1997), tendo sido Directora deste jardim entre 1997 e 2002. Foi assessora chefe de Arquitectura Paisagista da Expo’98 e Directora do Projecto do Jardim Garcia de Orta. È conselheira da Unesco no Comité internacional de Paisagens Culturais e recebeu em 2013 a condecoração de Officier des Arts et des Lettres do Govverno Francês pelos trabalhos prestados ao património de jardins e paisagens culturais 

** Licenciada em Arquitectura Paisagista em 2005, Instituto Superior de Agronomia, Lisboa. Trabalha em ACB Arquitetura Paisagistica desde 2005. Projectos:Restauro do Jardim de Vénus, Palácio Fronteira; Cortina arbórea, Palácio Fronteira; Casa de Fresco e Lago dos SS’s, Palácio Fronteira; Jardim Contemporâneo e Horta, Palácio Fronteira; Moradia no Estoril; Atelier ACB, Lisboa; Quinta do Poço das Romeiras, Portimão; Loteamento da Tapada das Pereiras, Portalegre; Lote 22 – L5 Penínula - Lagoa Formosa, Herdade da Comporta; Lote 2 e 4 – L8 Ilha - Lagoa Formosa, Herdade da Comporta; Parque Alqueva Design Guidelines; Jardim das Suites do Canal, Quinta das Lágrimas; Casa Grande, Quinta do Perú; Arborização e Enquadramento do Golfe, Quinta do Perú; Jardim do Lar D. Amélia, Abrantes; Vilarinhos, Loulé; Restauro do Sistema Hidráulico da Quinta das Machadas, Setúbal; Requalificação do Jardim Constantino Palha e Qualificação dos Espaços Exteriores do Bairro dos Avieiros; Parque Urbano da Cidade de Olhão; Jardim Duque da Terceira, Angra do Heroísmo; Hotel Marmoris, Vila Viçosa; Parque Urbano da Várzea, Setúbal; Arborização do Parque da Goldra, Covilhã.




Fachada lateral da casa de Mariano Procópio, atual museu.

quarta-feira, 22 de julho de 2015

Visita: Casa Stefan Zweig

Em julho do ano passado, fui ao cinema assistir "O Grande Hotel Budapeste". Na verdade, não foi uma escolha muito espontânea, pois, dentre as opções disponíveis, era o único filme legendado que me pareceu interessante. Já na sala de projeção, fui surpreendida, não somente pela qualidade e beleza da produção, mas também, por uma nota de esclarecimento que apareceu ao término do filme. Ela fazia menção ao escritor Stefan Zweig cuja obra fora tomada de inspiração pelo diretor do filme, Wes Anderson. Até aí, nada demais se não fosse por um simples detalhe: a data e o local da morte do escritor. Lá estava: "Petrópolis, 1942". Fui pega de surpresa! Não que eu soubesse muito sobre Stefan Zweig para ficar estupefata diante de uma informação desconhecida. O inesperado estava mesmo em descobrir que ele teve uma relação com o Brasil e, ainda por cima, em Petrópolis, município tão próximo de Nova Friburgo.

Ao chegar em casa, fiz uma pesquisa básica e fui descobrindo mais sobre Stefan Zweig, sua história de vida e suas obras. Nascido em Viena em 28 de novembro de 1881, Zweig cresceu em meio aos costumes judeus e educação burguesa. Desde jovem apresentou familiaridade com a escrita, a qual se dedicou, seguindo a carreira literária ao se formar em Literatura e Filosofia. A partir dos 21 anos, conquistou seu espaço no mundo literário sendo reconhecido como um célebre escritor através suas inúmeras produções. Durante boa parte da sua vida, fez viagens e encontros que lhe renderam grandes amizades. James Joyce, Hermann Hesse, Sigmund Freud são alguns nomes ilustres com os quais Zweig teve a honra de conviver.

Stefan Zweig em 1941. Acervo: Casa Stefan Zweig.

Assustado com o avanço do nazismo pela Europa, Zweig decide se refugiar no Brasil com a sua segunda esposa, Lotte Altmann. Stefan já conhecia o Brasil de viagens anteriores e, inclusive, havia escrito um livro sobre o país intitulado "Brasil, um país do futuro". O casal chega em setembro de 1941 e escolhe a vida pacata da serra, alugando uma casa em Petrópolis. No início, a esperança de um recomeço deixava ambos felizes, mas a antiga vida agitada, rodeada de debates intelectuais em cafés movimentados, se fazia cada vez mais distante em contraponto a um cotidiano monótono e em meio a pessoas que não falavam outro idioma a não ser o português. Se não bastasse, Zweig assistia às covardias de uma guerra que não dava sinais de enfraquecimento. Cada vez mais deprimido, Zweig não viu outra alternativa a não ser o suicídio. Após escrever um bilhete de despedida, ele e sua esposa consumaram o gesto trágico, em 23 de fevereiro de 1942.

Folha de identificação individual para o registro e estatística da entrada de estrangeiros em território nacional. Consulado Geral do Brasil em Londres, 27/5/1938. Arquivo Nacional, Serviço de Polícia Marítima, Aérea e de Fronteiras, RJ BR AN, RIO BO, SPMAF-RJ REG.106535 fl10.

Além da biografia de Zweig, a breve pesquisa me direcionou à casa onde ele residiu em Petrópolis. E, com prazer, pude constatar que hoje ela é um pequeno museu que tem, por finalidade, resguardar a memória de Stefan Zweig e divulgar a sua obra entre os brasileiros. Aberta ao público há pouco mais de dois anos, a casa conta com um pequeno acervo pessoal do escritor, conseguido através da doação de um sobrinha da esposa de Zweig. Estão expostos, por exemplo, suas penas de escrita, uma fotografia de Stefan autografada, seu tabuleiro de xadrez, livros de sua biblioteca pessoal. Todos esses objetos estão confinados num pequeno mostrador; é tudo o que se tem. Para muitos, talvez, esse pequeno acervo poderia parecer insignificante, mas, acredito que é a sua própria pequenez que o faz tão especial. Por serem poucos os objetos, acabamos nos detendo com mais cuidado, reparamos com minúcia em cada detalhe, o que os museus abarrotados de relíquias não nos permitem pois nossa atenção é constantemente alertada. Além disso, há muita produção cinematográfica, feita especialmente para o museu, algumas que narram sobre a vida e as obras de Stefan Zweig e outras com entrevistas sobre o tema.

Fachada da Casa Stefan Zweig.

Interior da Casa Stefan Zweig.

Livros do acervo pessoal do autor.

Tabuleiro de xadrez de Stefan Zweig.

Devido ao pequeno acervo, a casa, além de um museu, é também um espaço cultural. Ali há, constantemente, exposições, palestras, apresentações de artistas. No período em que lá estive, a exposição tratava a respeito da agenda de contatos de Stefan Zweig. Segundo a curadora da exposição, a identificação dos nomes, além de revelar sobre o círculo de amizade de Zweig, também permitiria a pesquisa desses outros personagens e suas influências sobre o escritor austríaco.


Reprodução da agenda de contatos de Stefan Zweig.

Além de museu e espaço cultural, a Casa Stefan Zweig, se propõe a ser um lugar de memória para aqueles que, como Zweig, deixaram suas terras natais para se refugiarem em outras plagas. Para tanto, está sendo desenvolvida uma pesquisa sobre todos os nomes de refugiados que se estabeleceram no Brasil ao longo de nossa história. Mesmo em andamento, a pesquisa já estava bem adiantada e disponível em um totem interativo. Nele, podemos escolher a forma de busca mais conveniente, por meio de datas, locais ou profissões. Eu, no caso, acabei querendo saber sobre dois historiadores, claro! Ao escolhermos os nomes, ouvimos uma pequena narração sobre a biografia do personagem em questão e suas principais obras. É um trabalho muito bem feito e emocionante e que parece conversar muito bem com a casa e, até mesmo, com a localidade. A Casa Stefan Zweig está localizada na Rua Gonçalves Dias, o autor de "Canção do Exílio" que, como diz a placa defronte à construção, acaba sendo uma feliz "homenagem à fraternidade, à solidariedade e ao humanismo".

                           
Totem interativo sobre refugiados no Brasil.


Stefan Zweig escreveu sua última obra nesta casa. Intitulada "Partida de xadrez", a novela é uma obra-prima que transcende o jogo de tabuleiro, mas que faz uso de sua tensão para retratar os horrores da guerra. Por esta razão, a Casa também abriga mesas com tabuleiro na varanda, além de um xadrez gigante no espaço do jardim. Não obstante a interatividade com o público, é uma forma sutil e bela de prestar homenagem aos últimos dias de vida de Stefan Zweig.

Xadrez gigante no jardim.

Para quem estiver interessado na produção de Stefan Zweig, as editoras Rocco, Zahar e LP&M vêm reeditando suas principais obras. Para quem quiser saber mais sobre a Casa de Petrópolis, aqui está o link do site: http://www.casastefanzweig.com.br/.