quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Além de caule e folhas: simbolismos da Ginkgo biloba

Desde a primeira vez que vi uma árvore de Ginkgo biloba eu fiquei fascinada. Não que ela se destacasse muito dentre outras árvores, mas sim, devido à sua folhagem. As folhas de Ginkgo biloba possuem um formato diferente das que estamos acostumados a ver, e isso foi o suficiente para eu me apaixonar. Inclusive esperei o inverno chegar para guardar comigo um exemplar de uma das folhas que caiu da árvore. Essa espécie é caduca, ou seja, perde todas as suas folhas no inverno que, de verdes, passam a um lindo tom amarelado. Lá se vão cinco anos e cá está a folha comigo!


Minha folha de Ginkgo biloba.

Se não bastasse toda essa paixonite, eu ainda dei uma de curiosa e passei a pesquisar mais sobre a árvore. E aí que eu fui definitivamente cativada. Primeiramente, descobri que a árvore é considerada um fóssil vivo*, pois ela existe desde o período Jurássico, ou seja, há mais de 200 milhões de anos. Com o cataclismo que extinguiu os dinossauros, muitas variantes de Gingko biloba também deixaram de existir. Cientistas europeus acreditaram, até o século XVII, que essa espécie estava totalmente extinta, quando o pesquisador alemão Engelbert Kaempfer encontrou um exemplar no Japão em 1691. As árvores de Ginkgo biloba sobreviveram na Ásia, principalmente no Japão, China e Coreia, onde foram cultivadas em mosteiros e templos. Provavelmente, a árvore de Ginkgo biloba é hoje uma das mais antigas do planeta!

Não fui somente eu fascinada pela sua beleza. Desde o século XI, há registros da árvore na literatura, arte e medicina orientais. No entanto, as propriedades da Ginkgo biloba já eram exaltadas desde o século V a. C., principalmente por Confúcio (551-487 a. C.) que amava ler, meditar e ensinar sob as copas da árvore. Toda a cultura oriental se apropriou da árvore, até mesmo os coques masculinos e femininos das dinastias japonesas foram inspirados no formato das folhas de Ginkgo biloba.

Detalhe de um mural chinês  (séc. V) representando Confúcio sob uma árvore de Ginkgo biloba (à direita). 

"Miss Ginkgo". Kitagawa Utamaro. Japão, período Edo, c. de 1793.


E isso, claro, fazia referência não só à sua estética, mas também, aos seus aspectos simbólicos. Até hoje, a espécie de Ginkgo biloba é motivo de veneração, como uma árvore sagrada, um símbolo de união dos opostos, fazendo referência ao yin e yang, pois a Ginkgo biloba é uma espécie dioica, isto é, possui os órgãos reprodutores masculino e feminino. O “biloba” do nome, inclusive, faz referência ao tema da dualidade e se refere à estrutura de dois lóbulos da folha da árvore.

Para muitos, a espécie também é tida como símbolo da permanência, por sua força e longevidade, não somente por ter sobrevivido ao desastre que extinguiu os dinossauros, mas também, por ter resistido a um outro: o da bomba atômica. Após o ataque de 6 de agosto de 1945 a Hiroshima, no Japão, constatou-se que muitos espécimes de Gingko biloba, afastados cerca de 1 km do local atingido, não haviam sofrido danos. Após esse fato, além de estar relacionada à resistência e vitalidade, a árvore de Ginkgo biloba passou a representar esperança e paz.

Uma coisa curiosa é que seu caráter simbólico se mistura também com suas propriedades físicas. O nome Ginkgo biloba não é estranho a muitas pessoas, pois suas sementes e folhas são utilizadas pela indústria farmacêutica para a confecção de remédios, principalmente, àqueles destinados ao desempenho do cérebro, relativos à concentração e memória. Como já dissemos anteriormente, a espécie de Ginkgo biloba é antiquíssima e, por esta razão, é tida como portadora de uma existência longa e, portanto, de uma memória longínqua. Há uma bela frase do paleobotânico Sir Albert Seward (1938) sobre isso: "A árvore de Ginkgo biloba invoca uma alma histórica: vemo-la como um emblema da imutabilidade, uma herança de mundos muito remota para a compreensão de nossa inteligência humana, uma árvore que mantém segredos de um passado imensurável".

Ao chegar ao Ocidente, após a descoberta do cientista alemão, a árvore de Ginkgo biloba passou a ser idolatrada pelo mundo inteiro. Grandes artistas a tomaram como inspiração para suas obras. Goethe fez um poema; o movimento Art Nouveau a imortalizou em pinturas, móveis e construções; e hoje, suas folhas são encontradas, desde vestimentas, joias e tatuagens, até no design de postes de iluminação e tampas de bueiros.

Poema de Goethe (1815).

Antes de terminar, preciso destacar só mais um detalhe. Pitágoras já revelou que a natureza é lógica e que há proporção em toda a sua forma. As folhas de Ginkgo biloba, como tantos elementos naturais, também se enquadram na Sequência de Fibonacci, ou Razão Áurea, que foi muito utilizada na arte para alcançar a regularidade e beleza estética. Talvez esteja aí o segredo para tanto deslumbramento!

Espécimes de um parque na Bélgica. Jean-Pol GRANDMONT.

Para saber mais:
http://kwanten.home.xs4all.nl/
http://ginkgopages.blogspot.com/



*O termo “fóssil vivo” foi criado por Charles Darwin na sua obra “Origem das Espécies”de 1859.

quarta-feira, 12 de agosto de 2015

Workshop Restauro de Jardins Históricos

Entre os dias 21 e 23 de abril estive em Juiz de Fora (MG) para participar do Workshop Restauro de Jardins Históricos promovido pela Fundação Museu Mariano Procópio, em colaboração com a Escola de Belas Artes/UFRJ, e com o apoio da Rede de Gestores de Jardins Históricos e da Fundação Casa de Rui Barbosa


O objetivo do workshop foi fornecer as bases necessárias para a confecção de um projeto de restauro, baseando-se nas experiências do processo de restauração do jardim da Fundação Museu Mariano Procópio e sua abertura ao público na totalidade da área verde que contempla. Os trabalhos foram coordenados pela Professora Cristina Castel-Branco* em colaboração com Raquel Carvalho**, ambas arquitetas paisagistas de origem portuguesa com longos anos de experiência na área de restauro de jardins históricos.

No primeiro dia, logo de manhã, tivemos uma aula teórica sobre as regras de restauro do patrimônio utilizadas pelo ICOMOS, os problemas mais recentes de bacias visuais em torno do patrimônio e a apresentação de casos de sucesso e insucesso. Dentre as metologias de restauro, estudamos três delas. Primeiramente, vimos os quatro princípios postulados por Carmem Añon que consistem em: 1. Respeito pelo traço existente; 2. Os contributos de outras épocas têm de ser valorizados (é preciso encontrar estratégias que possibilitem a harmonia entre as camadas de tempo); 3. Evitar as dissonâncias (o ambiente do jardim deve remeter ao tempo de sua origem); 4. Realizar um estudo aprofundado do objeto pois as soluções se encontram nele próprio. Em seguida, verificamos as metodologias do National Trust, de origem inglesa, que nos dá as bases do jardim aberto ao público. O NT postula, primeiramente, o interesse histórico-cultural do espaço de um lado, e o interesse funcional de outro. Através da análise desses dados, encontra-se uma definição de zonas homogêneas que contemplem esses dois interesses. A partir daí são traçados os objetivos estratégicos, as técnicas de restauro que serão empregadas, a confecção de um Plano Diretor para o desempenho das atividades e, por fim, a consulta de profissionais gabaritados. De uma forma descontraída, também comparamos o restaurador de jardins com um barbeiro que, se vendo diante de um cliente praticamente calvo precisa 1. proteger o que existe; 2. melhorar o que ainda há; e 3. Só então inventar. Tais princípios se baseiam nas diretrizes de Laurie Olin que enfatiza o respeito ao projeto original e defende as invenções somente no fim da intervenção.

Após a aula teórica, todos os participantes foram divididos em cinco grupos: 1. História e Usos; 2. História e Restauro; 3. Botânica; 4. Hidráulica e; 5. Composição e envolventes. Cada grupo ficaria responsável pelo levantamento de dados, dos seus respectivos objetivos, em relação ao jardim do Museu Mariano Procópio. Essa divisão foi feita pelas coordenadoras do Workshop baseado nos currículos dos participantes presentes. Eu, juntamente com mais dois historiadores e uma estudante de arquitetura, ficamos responsáveis pelo grupo 1: História e Usos. Nós quatro nos dirigimos ao jardim e fomos guiados pelo Professor Carlos Terra, da Escola de Belas Artes/UFRJ, que nos forneceu informações históricas sobre a propriedade e despertou nossa atenção para os elementos paisagísticos. Depois da visita ao jardim, já na parte da tarde, colocamos nossas observações no papel e as apresentamos para os demais grupos.

Fazendo anotações em meio a belíssima paisagem do jardim.

Professora Cristina Castel-Branco.

Grupo "História e Usos" com o professor Carlos Terra.

Preparo da apresentação.


No dia seguinte, formamos novos grupos (ambiente, patrimônio, comunidade, turismo), a fim de aplicar os processos de análise, diagnóstico e preparação do produto final, através da confecção de uma planta com uma memória descritiva das linhas mestras de um Plano Diretor de Restauro. Diferentemente do dia anterior, neste podíamos optar em qual grupo participar. Escolhi o de turismo e dividi os trabalhos com dois arquitetos e duas paisagistas. Pontuamos os problemas, levantamos os potenciais turísticos e elaboramos um projeto que priorizava a autossustentabilidade do Museu, através da cobrança de ingressos e gift shop, e a fácil acessibilidade e assimilação do ambiente pelo público. Acabamos ganhando uma menção por melhor proposta!


Por fim, no terceiro e último dia, preparamos um projeto final de restauro por meio da reunião de todas as atividades organizadas pelos grupos ao longo dos dois dias passados. Foi então que percebemos o quanto de conhecimento havíamos conseguido reunir num curto espaço de tempo. Sem dúvida, a sensibilidade das coordenadores possibilitou uma otimização do evento com a troca de experiências e saberes entre os diferentes profissionais, onde cada um pode contribuir com sua formação e receber muito conhecimento. Além de tudo o que aprendi (que está sendo de grande valia para repensar o Parque São Clemente), vivi três dias intensos repletos de experiências maravilhosas, realizando o meu antigo sonho de conhecer tanto o jardim como a casa de Mariano Procópio, e reencontrando e ganhando amigos excepcionais.

Apresentação final.

Arquitecta Paisagista formada pelo Instituto Superior de Agronomia, de Lisboa, em 1985, responsável pelo ACB Arquitetura Paisagística. Bolseira Fullbright–ITT, Mestre em Arquitectura Paisagista pela Universidade de Massachusetts em 1989. Doutorou-se em 1993 e fez a Agregação em 2006 no I.S.A., onde lecciona desde 1989 nas áreas de História de Arte de Jardins e Material Vegetal, desenvolvendo depois áreas de ensino em Ecologia da Paisagem e Restauro de Património Paisagístico e Projeto de espaços públicos. Presidiu à Secção de Arquitectura Paisagista durante dez anos e fez parte do Conselho Directivo do I.S.A. de 1993 a 1995. Em 1994 faz parte da equipe fundadora do Centro de Ecologia Aplicada no Instituto Superior de Agronomia. Actualmente é das disciplinas de História e Teoria da Arquitectura Paisagista da licenciatura, Projecto e Crítica da Paisagem e Recuperação e Gestão de Paisagens Culturais do Mestrado em Arquitectura Paisagista e dirige o Doutoramento em Arquitectura Paisagista e Ecologia Urbana (LINK), terceiro ciclo de Bolonha nesta área. Este Programa Doutoral criado em associação entre as Universidades Técnicas de Lisboa, de Coimbra e do Porto, duran desde 2009/2010. Cristina Castel-Branco leccionou como docente convidada em níveis de pós-graduação nas Universidades de Madrid, Manchester, Granada, Porto, Coimbra,,Tóquio, Ljubljana, e dirigiu o restauro do Jardim Botânico da Ajuda (1994-1997), tendo sido Directora deste jardim entre 1997 e 2002. Foi assessora chefe de Arquitectura Paisagista da Expo’98 e Directora do Projecto do Jardim Garcia de Orta. È conselheira da Unesco no Comité internacional de Paisagens Culturais e recebeu em 2013 a condecoração de Officier des Arts et des Lettres do Govverno Francês pelos trabalhos prestados ao património de jardins e paisagens culturais 

** Licenciada em Arquitectura Paisagista em 2005, Instituto Superior de Agronomia, Lisboa. Trabalha em ACB Arquitetura Paisagistica desde 2005. Projectos:Restauro do Jardim de Vénus, Palácio Fronteira; Cortina arbórea, Palácio Fronteira; Casa de Fresco e Lago dos SS’s, Palácio Fronteira; Jardim Contemporâneo e Horta, Palácio Fronteira; Moradia no Estoril; Atelier ACB, Lisboa; Quinta do Poço das Romeiras, Portimão; Loteamento da Tapada das Pereiras, Portalegre; Lote 22 – L5 Penínula - Lagoa Formosa, Herdade da Comporta; Lote 2 e 4 – L8 Ilha - Lagoa Formosa, Herdade da Comporta; Parque Alqueva Design Guidelines; Jardim das Suites do Canal, Quinta das Lágrimas; Casa Grande, Quinta do Perú; Arborização e Enquadramento do Golfe, Quinta do Perú; Jardim do Lar D. Amélia, Abrantes; Vilarinhos, Loulé; Restauro do Sistema Hidráulico da Quinta das Machadas, Setúbal; Requalificação do Jardim Constantino Palha e Qualificação dos Espaços Exteriores do Bairro dos Avieiros; Parque Urbano da Cidade de Olhão; Jardim Duque da Terceira, Angra do Heroísmo; Hotel Marmoris, Vila Viçosa; Parque Urbano da Várzea, Setúbal; Arborização do Parque da Goldra, Covilhã.




Fachada lateral da casa de Mariano Procópio, atual museu.