quarta-feira, 22 de julho de 2015

Visita: Casa Stefan Zweig

Em julho do ano passado, fui ao cinema assistir "O Grande Hotel Budapeste". Na verdade, não foi uma escolha muito espontânea, pois, dentre as opções disponíveis, era o único filme legendado que me pareceu interessante. Já na sala de projeção, fui surpreendida, não somente pela qualidade e beleza da produção, mas também, por uma nota de esclarecimento que apareceu ao término do filme. Ela fazia menção ao escritor Stefan Zweig cuja obra fora tomada de inspiração pelo diretor do filme, Wes Anderson. Até aí, nada demais se não fosse por um simples detalhe: a data e o local da morte do escritor. Lá estava: "Petrópolis, 1942". Fui pega de surpresa! Não que eu soubesse muito sobre Stefan Zweig para ficar estupefata diante de uma informação desconhecida. O inesperado estava mesmo em descobrir que ele teve uma relação com o Brasil e, ainda por cima, em Petrópolis, município tão próximo de Nova Friburgo.

Ao chegar em casa, fiz uma pesquisa básica e fui descobrindo mais sobre Stefan Zweig, sua história de vida e suas obras. Nascido em Viena em 28 de novembro de 1881, Zweig cresceu em meio aos costumes judeus e educação burguesa. Desde jovem apresentou familiaridade com a escrita, a qual se dedicou, seguindo a carreira literária ao se formar em Literatura e Filosofia. A partir dos 21 anos, conquistou seu espaço no mundo literário sendo reconhecido como um célebre escritor através suas inúmeras produções. Durante boa parte da sua vida, fez viagens e encontros que lhe renderam grandes amizades. James Joyce, Hermann Hesse, Sigmund Freud são alguns nomes ilustres com os quais Zweig teve a honra de conviver.

Stefan Zweig em 1941. Acervo: Casa Stefan Zweig.

Assustado com o avanço do nazismo pela Europa, Zweig decide se refugiar no Brasil com a sua segunda esposa, Lotte Altmann. Stefan já conhecia o Brasil de viagens anteriores e, inclusive, havia escrito um livro sobre o país intitulado "Brasil, um país do futuro". O casal chega em setembro de 1941 e escolhe a vida pacata da serra, alugando uma casa em Petrópolis. No início, a esperança de um recomeço deixava ambos felizes, mas a antiga vida agitada, rodeada de debates intelectuais em cafés movimentados, se fazia cada vez mais distante em contraponto a um cotidiano monótono e em meio a pessoas que não falavam outro idioma a não ser o português. Se não bastasse, Zweig assistia às covardias de uma guerra que não dava sinais de enfraquecimento. Cada vez mais deprimido, Zweig não viu outra alternativa a não ser o suicídio. Após escrever um bilhete de despedida, ele e sua esposa consumaram o gesto trágico, em 23 de fevereiro de 1942.

Folha de identificação individual para o registro e estatística da entrada de estrangeiros em território nacional. Consulado Geral do Brasil em Londres, 27/5/1938. Arquivo Nacional, Serviço de Polícia Marítima, Aérea e de Fronteiras, RJ BR AN, RIO BO, SPMAF-RJ REG.106535 fl10.

Além da biografia de Zweig, a breve pesquisa me direcionou à casa onde ele residiu em Petrópolis. E, com prazer, pude constatar que hoje ela é um pequeno museu que tem, por finalidade, resguardar a memória de Stefan Zweig e divulgar a sua obra entre os brasileiros. Aberta ao público há pouco mais de dois anos, a casa conta com um pequeno acervo pessoal do escritor, conseguido através da doação de um sobrinha da esposa de Zweig. Estão expostos, por exemplo, suas penas de escrita, uma fotografia de Stefan autografada, seu tabuleiro de xadrez, livros de sua biblioteca pessoal. Todos esses objetos estão confinados num pequeno mostrador; é tudo o que se tem. Para muitos, talvez, esse pequeno acervo poderia parecer insignificante, mas, acredito que é a sua própria pequenez que o faz tão especial. Por serem poucos os objetos, acabamos nos detendo com mais cuidado, reparamos com minúcia em cada detalhe, o que os museus abarrotados de relíquias não nos permitem pois nossa atenção é constantemente alertada. Além disso, há muita produção cinematográfica, feita especialmente para o museu, algumas que narram sobre a vida e as obras de Stefan Zweig e outras com entrevistas sobre o tema.

Fachada da Casa Stefan Zweig.

Interior da Casa Stefan Zweig.

Livros do acervo pessoal do autor.

Tabuleiro de xadrez de Stefan Zweig.

Devido ao pequeno acervo, a casa, além de um museu, é também um espaço cultural. Ali há, constantemente, exposições, palestras, apresentações de artistas. No período em que lá estive, a exposição tratava a respeito da agenda de contatos de Stefan Zweig. Segundo a curadora da exposição, a identificação dos nomes, além de revelar sobre o círculo de amizade de Zweig, também permitiria a pesquisa desses outros personagens e suas influências sobre o escritor austríaco.


Reprodução da agenda de contatos de Stefan Zweig.

Além de museu e espaço cultural, a Casa Stefan Zweig, se propõe a ser um lugar de memória para aqueles que, como Zweig, deixaram suas terras natais para se refugiarem em outras plagas. Para tanto, está sendo desenvolvida uma pesquisa sobre todos os nomes de refugiados que se estabeleceram no Brasil ao longo de nossa história. Mesmo em andamento, a pesquisa já estava bem adiantada e disponível em um totem interativo. Nele, podemos escolher a forma de busca mais conveniente, por meio de datas, locais ou profissões. Eu, no caso, acabei querendo saber sobre dois historiadores, claro! Ao escolhermos os nomes, ouvimos uma pequena narração sobre a biografia do personagem em questão e suas principais obras. É um trabalho muito bem feito e emocionante e que parece conversar muito bem com a casa e, até mesmo, com a localidade. A Casa Stefan Zweig está localizada na Rua Gonçalves Dias, o autor de "Canção do Exílio" que, como diz a placa defronte à construção, acaba sendo uma feliz "homenagem à fraternidade, à solidariedade e ao humanismo".

                           
Totem interativo sobre refugiados no Brasil.


Stefan Zweig escreveu sua última obra nesta casa. Intitulada "Partida de xadrez", a novela é uma obra-prima que transcende o jogo de tabuleiro, mas que faz uso de sua tensão para retratar os horrores da guerra. Por esta razão, a Casa também abriga mesas com tabuleiro na varanda, além de um xadrez gigante no espaço do jardim. Não obstante a interatividade com o público, é uma forma sutil e bela de prestar homenagem aos últimos dias de vida de Stefan Zweig.

Xadrez gigante no jardim.

Para quem estiver interessado na produção de Stefan Zweig, as editoras Rocco, Zahar e LP&M vêm reeditando suas principais obras. Para quem quiser saber mais sobre a Casa de Petrópolis, aqui está o link do site: http://www.casastefanzweig.com.br/.

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