terça-feira, 27 de dezembro de 2016

Leituras de 2016

Sou uma pessoa cheia de dúvidas, mas uma das certezas que tenho sobre mim mesma é que sou metódica e leitora voraz. Essa combinação - que provavelmente chega às raias da loucura - faz com que eu mantenha uma disciplina ferrenha sobre minhas leituras. 

Inicialmente, eu costumava anotar somente o título do livro e a data em que eu o havia lido. Depois, em 2009, criei uma conta no Skoob e acabei registrando tudo por lá mesmo. Mas, no início desse ano, eu tive a grande ideia de criar uma planilha no Google Docs e registrar todos os dados das minhas leituras num único documento.

Dividi a planilha nas seguintes colunas: título do livro; autor (a); gênero do escritor (homem ou mulher); data original de publicação; nacionalidade do autor; idioma em que li a obra; tradutor; editora; edição do exemplar que li; ano da edição lida; coleção/série; número total de páginas; gênero de literatura; fonte de aquisição (compra, empréstimo, presente, download); formato do livro (papel ou digital); data de término da leitura.

A minha planilha tem mais ou menos essa aparência:

O objetivo com a criação da planilha era ter uma compilação mais simplificada e de fácil acesso dos dados referentes às minhas leituras e, também, a geração de gráficos que me ajudassem a compreender mais sobre os meus métodos literários.

Com o fim do ano se aproximando, dei por finalizada a minha lista de leituras de 2016 e, enfim, pude gerar os tão esperados gráficos!

Esse ano eu li 47 livros, totalizando 10.899 páginas. Dessas leituras, 03 foram publicadas no século XIX, 08, durante o século XX, e 36, no século XXI, sendo 07 delas lançamentos em 2016. Com isso, posso concluir que sou uma leitora contemporânea. 

Minhas leituras foram bem equilibradas no que se refere ao gênero dos autores mas, ainda assim, os homens ficaram na frente com 51,1%. Eu tinha o objetivo de ler mais mulheres esse ano, mas às vezes os livros é que nos escolhem e os planos acabam ficando um pouco de lado.

Quanto à nacionalidade dos autores, fiquei impressionada com o empate entre brasileiros e estadunidenses, somando 27,7% das minhas leituras, cada um. Em segundo lugar, vieram os ingleses com 14,9% e, em terceiro, os franceses, com 12,8%. A partir desses dados, pude perceber que leio mais escritores estrangeiros.

Esse ano, eu me obriguei a diversificar minhas possibilidades de leitura entre os três idiomas que tenho domínio. Obviamente, os livros em língua portuguesa foram a esmagadora maioria, num total de 85,1%; em seguida veio o francês, com 10,6% e, por fim, o inglês, com 4,6%. Fiquei bem satisfeita!

A editora de quem mais li livros foi a Intrínseca e, apesar da minha busca em variar os gêneros literários, o mais lido deles foi o romance. Não é nenhuma surpresa pra mim que a grande fonte das minhas leituras ainda venha da compra (74,5%), mas fiquei muito admirada em saber da proporcionalidade que alcancei entre os livros em papel (53,2%) e os digitais (46,8%). Adoro os livros físicos, mas o espaço disponível para armazenamento está cada vez menor. Além disso, tenho uma preocupação sustentável também, o que tem me ajudado a dar preferência aos e-books.

Para facilitar a visualização de todas essas informações, elaborei uma espécie de "infográfico" (de recursos escassos - leia-se "feito no paint", porque não tenho nenhuma habilidade com ferramentas tecnológicas) que está logo abaixo.


Sempre tenho muita dificuldade em apontar meu livro favorito do ano e, por isso, vou listar os que mais me agradaram. São eles:

Vincent, Barbara Stok;
A garota dinamarquesa, David Ebershoff;
A Vida das Musas, Francine Prose;
O Mito da Beleza, Naomi Wolf;
Guia de uma ciclista em Kashgar, Suzanne Joinson.


  

terça-feira, 20 de dezembro de 2016

Autumn

Tenho reparado que já faz mais de um ano que não posto nada de novo no blog. Acredito que isso seja uma constante de todos aqueles que decidem enveredar nesse tipo de aventura. A verdade é que, de uns tempos pra cá, a disponibilidade para o blog passou a ser mais escassa diante dos compromissos – e da preguiça também, por que não? Contudo, o vácuo da ausência sempre ecoava em mim e me causava aquele desconforto de algo inacabado. Pois bem, agora estou de volta, por tempo indeterminado, de certo, mas de volta.

Além da longa ausência, a aparência do blog também me incomodou um pouco. Não que eu tenha enjoado do olhar da Jaroslava, mas acho que o blog merecia ganhar um novo aspecto depois de tanto tempo. Por fim, nem fiz tantas alterações, só mudei a imagem de cabeçalho mesmo. Da obra de Mucha (1860-1939), passamos para Barnet (1911-2012), um grande artista do século XX. O detalhe que ilustra a apresentação do blog foi retirado de uma de suas obras mais famosas: a série Silent Seasons. Nesse trabalho, Will Barnet retrata praticamente a mesma cena por meio de um único ponto de vista, mas com as peculiaridades de luz e sensações que cada estação do ano evoca.

Silent Seasons, Will Barnet. Litografia colorida em papel Rives BFK, 1968-1974. 66,2cm x 51,1cm.
Inverno, Verão, Outono, Primavera.

Escolhi a cena Autumn. Nela, há uma moça debruçada sobre uma mesa. Uma de suas mãos apoia o queixo e seu olhar parece vago, distante; uma pose de reflexão. Sobre a mesa, alguns livros e uma fruta. No parapeito da janela, uma papagaio observa a moça. E no recorte projetado pela janela, vemos a sombra de uma árvore lá fora. A luz é melancólica, mas passa a impressão de um ambiente aconchegante. Além de o outono ser a minha estação favorita, acho que a pintura de Barnet evoca a proposta do blog: um espaço acolhedor e reflexivo.

Ao longo de sua extensa vida, Will Barnet ficou conhecido por produzir pinturas que variavam entre uma forma simplificada de realismo e um simbolismo poético e visionário. Ele costumava dizer que havia se deparado com a pintura ainda criança e que, com ela, descobriu que ser um artista lhe daria capacidade de criar algo que viveria após a morte. Com seus traços singelos, Barnet realmente venceu a interrupção categórica da vida e sua obra continuará inspirando ou, até mesmo, modificando vidas. Essa página pessoal não tem finalidades grandiosas muito menos soberbas - inclusive, penso que escrevo para ninguém além de mim mesma - mas, é sempre bom estar envolta por pessoas e obras iluminadas, como Barnet.

quarta-feira, 2 de setembro de 2015

A história do Brasil nas ruas de Paris

Sou o tipo de pessoa que, antes de viajar, faz um apanhado de tudo o que merece ser visitado. É claro que é muito bom ter aquela sensação de se descobrir num lugar desconhecido, mas muitas coisas interessantes podem passar despercebidas se confiarmos apenas nos nossos passos.

Um dos meus sonhos (e de grande parcela da humanidade!) é conhecer Paris, "la plus belle ville du monde", como diz a canção. Um dos meus estímulos é o estudo de francês, mas, também, poder estar na "capital do mundo", palco de grandes fatos históricos e lar de ilustres personalidades. Ir a Paris já tem a sua graça, mas ir a Paris com uma bagagem cheia de curiosidades sobre seus monumentos e traçado, é muito mais interessante.

Como disse Manuel Bandeira, quem vai a Paris, volta cheio de Paris. Mas, o que muita gente não sabe, é que uma ida à Cidade Luz pode desvendar muitos segredos sobre a origem do próprio viajante. Foi o que descobri com a leitura do livro "A história do Brasil nas ruas de Paris", publicado no ano passado pela Casa da Palavra. Seu autor, o brasileiro Maurício Torres de Assumpção, residente em Paris há alguns anos, teve sua atenção despertada para certos detalhes nas ruas da capital francesa. Aqui e acolá, o nome de uma personalidade brasileira despontava numa placa ou monumento da cidade e, por trás de suas "pedras empoeiradas", ele descobriu que havia muitas histórias pitorescas e emocionantes carregadas de essência humana. Aprofundando-se em suas pesquisas, Assumpção decidiu, por fim, registrá-las em livro, para nossa sorte!

A capa do livro e uma pequena contribuição minha.

"A história do Brasil nas ruas de Paris" trata de fatos da história brasileira que, vão muito além de uma simples relação com a capital francesa, mas que foram responsáveis por deixar a marca do Brasil nos anais da França. Assumpção narra 200 anos de história, desde o início do século XIX até os dias atuais, desvendando curiosidades sobre Paris e, de quebra, fornecendo muita informação sobre a formação de nosso país e a criação de sua imagem no exterior.


O livro é dividido em sete capítulos, cada um responsável por um tema ou uma personalidade brasileira que revela "a saga dos brasileiros que deixaram seu legado na cidade de Paris – seja um legado concreto, literalmente, como o de Oscar Niemeyer; ou contribuições para o desenvolvimento da ciência e tecnologia, como fizeram D. Pedro II e Alberto Santos Dumont; ou, ainda, uma melodia no coração dos parisienses, cortesia de Heitor Villa-Lobos."

Nas quase 500 páginas, Assumpção narra com propriedade e com muitíssimos detalhes as histórias fascinantes dos monarcas D. Pedro I e II, as esquisitices dos positivistas, as invenções mirabolantes de Santos Dumont, a formação de Villa-Lobos e os talentos de Lúcio Costa e Oscar Niemeyer. Acabamos por conhecer as histórias da França e do Brasil e, também, a biografia desses personagens que, de tão ilustres, acabam se tornando distantes de nós; seus nomes há tanto tempo fazem parte de nosso cotidiano que, às vezes, nem sabemos ao certo o por quê da veneração que a eles é disposta.

Além do conteúdo, que é de fácil assimilação, devo destacar a diagramação do livro. As páginas com as notas, por exemplo, se encontram ao fim de cada capítulo, mas são de cor diferente, o que facilita (e muito!) na hora de buscar as referências. Há também fotografias belíssimas que ilustram as principais curiosidades e QR Code's para agilizar na busca de um vídeo no Youtube. No entanto, acredito que o principal diferencial do livro é dispôr, de forma simples e clara, os endereços de todas as locações citadas no livro. Assim, além de narrar sobre os principais fatos da relação entre Brasil e França, o livro se torna uma espécie de guia para o turista brasileiro que poderá visitar os locais citados com extrema facilidade, pois o autor disponibiliza todas as informações possíveis, desde o endereço e como chegar até lá, além dos dias e horários em que estarão disponíveis.

Devo ressaltar que tamanha abordagem se fez através de uma pesquisa a muitas instituições, como museus, bibliotecas e arquivos, além de entrevistas, e com base numa bibliografia bem fundamentada que conta com nomes de historiadores renomados, como José Murilo de Carvalho e Lilia Moritz Schwarcz.

A leitura desse livro foi agradabilíssima e, tenho certeza, que quando eu tiver a oportunidade de estar na Cidade Luz, a "flanêrie" por suas ruas será muito mais proveitosa e emocionante. Portanto, o livro está mais do que recomendado: é uma obrigação aos amantes de Paris! Espero que muitos possam ter a oportunidade de viajar nessa aventura sem fim, afinal, a história continua! À bientôt, mes amis!


quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Além de caule e folhas: simbolismos da Ginkgo biloba

Desde a primeira vez que vi uma árvore de Ginkgo biloba eu fiquei fascinada. Não que ela se destacasse muito dentre outras árvores, mas sim, devido à sua folhagem. As folhas de Ginkgo biloba possuem um formato diferente das que estamos acostumados a ver, e isso foi o suficiente para eu me apaixonar. Inclusive esperei o inverno chegar para guardar comigo um exemplar de uma das folhas que caiu da árvore. Essa espécie é caduca, ou seja, perde todas as suas folhas no inverno que, de verdes, passam a um lindo tom amarelado. Lá se vão cinco anos e cá está a folha comigo!


Minha folha de Ginkgo biloba.

Se não bastasse toda essa paixonite, eu ainda dei uma de curiosa e passei a pesquisar mais sobre a árvore. E aí que eu fui definitivamente cativada. Primeiramente, descobri que a árvore é considerada um fóssil vivo*, pois ela existe desde o período Jurássico, ou seja, há mais de 200 milhões de anos. Com o cataclismo que extinguiu os dinossauros, muitas variantes de Gingko biloba também deixaram de existir. Cientistas europeus acreditaram, até o século XVII, que essa espécie estava totalmente extinta, quando o pesquisador alemão Engelbert Kaempfer encontrou um exemplar no Japão em 1691. As árvores de Ginkgo biloba sobreviveram na Ásia, principalmente no Japão, China e Coreia, onde foram cultivadas em mosteiros e templos. Provavelmente, a árvore de Ginkgo biloba é hoje uma das mais antigas do planeta!

Não fui somente eu fascinada pela sua beleza. Desde o século XI, há registros da árvore na literatura, arte e medicina orientais. No entanto, as propriedades da Ginkgo biloba já eram exaltadas desde o século V a. C., principalmente por Confúcio (551-487 a. C.) que amava ler, meditar e ensinar sob as copas da árvore. Toda a cultura oriental se apropriou da árvore, até mesmo os coques masculinos e femininos das dinastias japonesas foram inspirados no formato das folhas de Ginkgo biloba.

Detalhe de um mural chinês  (séc. V) representando Confúcio sob uma árvore de Ginkgo biloba (à direita). 

"Miss Ginkgo". Kitagawa Utamaro. Japão, período Edo, c. de 1793.


E isso, claro, fazia referência não só à sua estética, mas também, aos seus aspectos simbólicos. Até hoje, a espécie de Ginkgo biloba é motivo de veneração, como uma árvore sagrada, um símbolo de união dos opostos, fazendo referência ao yin e yang, pois a Ginkgo biloba é uma espécie dioica, isto é, possui os órgãos reprodutores masculino e feminino. O “biloba” do nome, inclusive, faz referência ao tema da dualidade e se refere à estrutura de dois lóbulos da folha da árvore.

Para muitos, a espécie também é tida como símbolo da permanência, por sua força e longevidade, não somente por ter sobrevivido ao desastre que extinguiu os dinossauros, mas também, por ter resistido a um outro: o da bomba atômica. Após o ataque de 6 de agosto de 1945 a Hiroshima, no Japão, constatou-se que muitos espécimes de Gingko biloba, afastados cerca de 1 km do local atingido, não haviam sofrido danos. Após esse fato, além de estar relacionada à resistência e vitalidade, a árvore de Ginkgo biloba passou a representar esperança e paz.

Uma coisa curiosa é que seu caráter simbólico se mistura também com suas propriedades físicas. O nome Ginkgo biloba não é estranho a muitas pessoas, pois suas sementes e folhas são utilizadas pela indústria farmacêutica para a confecção de remédios, principalmente, àqueles destinados ao desempenho do cérebro, relativos à concentração e memória. Como já dissemos anteriormente, a espécie de Ginkgo biloba é antiquíssima e, por esta razão, é tida como portadora de uma existência longa e, portanto, de uma memória longínqua. Há uma bela frase do paleobotânico Sir Albert Seward (1938) sobre isso: "A árvore de Ginkgo biloba invoca uma alma histórica: vemo-la como um emblema da imutabilidade, uma herança de mundos muito remota para a compreensão de nossa inteligência humana, uma árvore que mantém segredos de um passado imensurável".

Ao chegar ao Ocidente, após a descoberta do cientista alemão, a árvore de Ginkgo biloba passou a ser idolatrada pelo mundo inteiro. Grandes artistas a tomaram como inspiração para suas obras. Goethe fez um poema; o movimento Art Nouveau a imortalizou em pinturas, móveis e construções; e hoje, suas folhas são encontradas, desde vestimentas, joias e tatuagens, até no design de postes de iluminação e tampas de bueiros.

Poema de Goethe (1815).

Antes de terminar, preciso destacar só mais um detalhe. Pitágoras já revelou que a natureza é lógica e que há proporção em toda a sua forma. As folhas de Ginkgo biloba, como tantos elementos naturais, também se enquadram na Sequência de Fibonacci, ou Razão Áurea, que foi muito utilizada na arte para alcançar a regularidade e beleza estética. Talvez esteja aí o segredo para tanto deslumbramento!

Espécimes de um parque na Bélgica. Jean-Pol GRANDMONT.

Para saber mais:
http://kwanten.home.xs4all.nl/
http://ginkgopages.blogspot.com/



*O termo “fóssil vivo” foi criado por Charles Darwin na sua obra “Origem das Espécies”de 1859.

quarta-feira, 12 de agosto de 2015

Workshop Restauro de Jardins Históricos

Entre os dias 21 e 23 de abril estive em Juiz de Fora (MG) para participar do Workshop Restauro de Jardins Históricos promovido pela Fundação Museu Mariano Procópio, em colaboração com a Escola de Belas Artes/UFRJ, e com o apoio da Rede de Gestores de Jardins Históricos e da Fundação Casa de Rui Barbosa


O objetivo do workshop foi fornecer as bases necessárias para a confecção de um projeto de restauro, baseando-se nas experiências do processo de restauração do jardim da Fundação Museu Mariano Procópio e sua abertura ao público na totalidade da área verde que contempla. Os trabalhos foram coordenados pela Professora Cristina Castel-Branco* em colaboração com Raquel Carvalho**, ambas arquitetas paisagistas de origem portuguesa com longos anos de experiência na área de restauro de jardins históricos.

No primeiro dia, logo de manhã, tivemos uma aula teórica sobre as regras de restauro do patrimônio utilizadas pelo ICOMOS, os problemas mais recentes de bacias visuais em torno do patrimônio e a apresentação de casos de sucesso e insucesso. Dentre as metologias de restauro, estudamos três delas. Primeiramente, vimos os quatro princípios postulados por Carmem Añon que consistem em: 1. Respeito pelo traço existente; 2. Os contributos de outras épocas têm de ser valorizados (é preciso encontrar estratégias que possibilitem a harmonia entre as camadas de tempo); 3. Evitar as dissonâncias (o ambiente do jardim deve remeter ao tempo de sua origem); 4. Realizar um estudo aprofundado do objeto pois as soluções se encontram nele próprio. Em seguida, verificamos as metodologias do National Trust, de origem inglesa, que nos dá as bases do jardim aberto ao público. O NT postula, primeiramente, o interesse histórico-cultural do espaço de um lado, e o interesse funcional de outro. Através da análise desses dados, encontra-se uma definição de zonas homogêneas que contemplem esses dois interesses. A partir daí são traçados os objetivos estratégicos, as técnicas de restauro que serão empregadas, a confecção de um Plano Diretor para o desempenho das atividades e, por fim, a consulta de profissionais gabaritados. De uma forma descontraída, também comparamos o restaurador de jardins com um barbeiro que, se vendo diante de um cliente praticamente calvo precisa 1. proteger o que existe; 2. melhorar o que ainda há; e 3. Só então inventar. Tais princípios se baseiam nas diretrizes de Laurie Olin que enfatiza o respeito ao projeto original e defende as invenções somente no fim da intervenção.

Após a aula teórica, todos os participantes foram divididos em cinco grupos: 1. História e Usos; 2. História e Restauro; 3. Botânica; 4. Hidráulica e; 5. Composição e envolventes. Cada grupo ficaria responsável pelo levantamento de dados, dos seus respectivos objetivos, em relação ao jardim do Museu Mariano Procópio. Essa divisão foi feita pelas coordenadoras do Workshop baseado nos currículos dos participantes presentes. Eu, juntamente com mais dois historiadores e uma estudante de arquitetura, ficamos responsáveis pelo grupo 1: História e Usos. Nós quatro nos dirigimos ao jardim e fomos guiados pelo Professor Carlos Terra, da Escola de Belas Artes/UFRJ, que nos forneceu informações históricas sobre a propriedade e despertou nossa atenção para os elementos paisagísticos. Depois da visita ao jardim, já na parte da tarde, colocamos nossas observações no papel e as apresentamos para os demais grupos.

Fazendo anotações em meio a belíssima paisagem do jardim.

Professora Cristina Castel-Branco.

Grupo "História e Usos" com o professor Carlos Terra.

Preparo da apresentação.


No dia seguinte, formamos novos grupos (ambiente, patrimônio, comunidade, turismo), a fim de aplicar os processos de análise, diagnóstico e preparação do produto final, através da confecção de uma planta com uma memória descritiva das linhas mestras de um Plano Diretor de Restauro. Diferentemente do dia anterior, neste podíamos optar em qual grupo participar. Escolhi o de turismo e dividi os trabalhos com dois arquitetos e duas paisagistas. Pontuamos os problemas, levantamos os potenciais turísticos e elaboramos um projeto que priorizava a autossustentabilidade do Museu, através da cobrança de ingressos e gift shop, e a fácil acessibilidade e assimilação do ambiente pelo público. Acabamos ganhando uma menção por melhor proposta!


Por fim, no terceiro e último dia, preparamos um projeto final de restauro por meio da reunião de todas as atividades organizadas pelos grupos ao longo dos dois dias passados. Foi então que percebemos o quanto de conhecimento havíamos conseguido reunir num curto espaço de tempo. Sem dúvida, a sensibilidade das coordenadores possibilitou uma otimização do evento com a troca de experiências e saberes entre os diferentes profissionais, onde cada um pode contribuir com sua formação e receber muito conhecimento. Além de tudo o que aprendi (que está sendo de grande valia para repensar o Parque São Clemente), vivi três dias intensos repletos de experiências maravilhosas, realizando o meu antigo sonho de conhecer tanto o jardim como a casa de Mariano Procópio, e reencontrando e ganhando amigos excepcionais.

Apresentação final.

Arquitecta Paisagista formada pelo Instituto Superior de Agronomia, de Lisboa, em 1985, responsável pelo ACB Arquitetura Paisagística. Bolseira Fullbright–ITT, Mestre em Arquitectura Paisagista pela Universidade de Massachusetts em 1989. Doutorou-se em 1993 e fez a Agregação em 2006 no I.S.A., onde lecciona desde 1989 nas áreas de História de Arte de Jardins e Material Vegetal, desenvolvendo depois áreas de ensino em Ecologia da Paisagem e Restauro de Património Paisagístico e Projeto de espaços públicos. Presidiu à Secção de Arquitectura Paisagista durante dez anos e fez parte do Conselho Directivo do I.S.A. de 1993 a 1995. Em 1994 faz parte da equipe fundadora do Centro de Ecologia Aplicada no Instituto Superior de Agronomia. Actualmente é das disciplinas de História e Teoria da Arquitectura Paisagista da licenciatura, Projecto e Crítica da Paisagem e Recuperação e Gestão de Paisagens Culturais do Mestrado em Arquitectura Paisagista e dirige o Doutoramento em Arquitectura Paisagista e Ecologia Urbana (LINK), terceiro ciclo de Bolonha nesta área. Este Programa Doutoral criado em associação entre as Universidades Técnicas de Lisboa, de Coimbra e do Porto, duran desde 2009/2010. Cristina Castel-Branco leccionou como docente convidada em níveis de pós-graduação nas Universidades de Madrid, Manchester, Granada, Porto, Coimbra,,Tóquio, Ljubljana, e dirigiu o restauro do Jardim Botânico da Ajuda (1994-1997), tendo sido Directora deste jardim entre 1997 e 2002. Foi assessora chefe de Arquitectura Paisagista da Expo’98 e Directora do Projecto do Jardim Garcia de Orta. È conselheira da Unesco no Comité internacional de Paisagens Culturais e recebeu em 2013 a condecoração de Officier des Arts et des Lettres do Govverno Francês pelos trabalhos prestados ao património de jardins e paisagens culturais 

** Licenciada em Arquitectura Paisagista em 2005, Instituto Superior de Agronomia, Lisboa. Trabalha em ACB Arquitetura Paisagistica desde 2005. Projectos:Restauro do Jardim de Vénus, Palácio Fronteira; Cortina arbórea, Palácio Fronteira; Casa de Fresco e Lago dos SS’s, Palácio Fronteira; Jardim Contemporâneo e Horta, Palácio Fronteira; Moradia no Estoril; Atelier ACB, Lisboa; Quinta do Poço das Romeiras, Portimão; Loteamento da Tapada das Pereiras, Portalegre; Lote 22 – L5 Penínula - Lagoa Formosa, Herdade da Comporta; Lote 2 e 4 – L8 Ilha - Lagoa Formosa, Herdade da Comporta; Parque Alqueva Design Guidelines; Jardim das Suites do Canal, Quinta das Lágrimas; Casa Grande, Quinta do Perú; Arborização e Enquadramento do Golfe, Quinta do Perú; Jardim do Lar D. Amélia, Abrantes; Vilarinhos, Loulé; Restauro do Sistema Hidráulico da Quinta das Machadas, Setúbal; Requalificação do Jardim Constantino Palha e Qualificação dos Espaços Exteriores do Bairro dos Avieiros; Parque Urbano da Cidade de Olhão; Jardim Duque da Terceira, Angra do Heroísmo; Hotel Marmoris, Vila Viçosa; Parque Urbano da Várzea, Setúbal; Arborização do Parque da Goldra, Covilhã.




Fachada lateral da casa de Mariano Procópio, atual museu.

quarta-feira, 22 de julho de 2015

Visita: Casa Stefan Zweig

Em julho do ano passado, fui ao cinema assistir "O Grande Hotel Budapeste". Na verdade, não foi uma escolha muito espontânea, pois, dentre as opções disponíveis, era o único filme legendado que me pareceu interessante. Já na sala de projeção, fui surpreendida, não somente pela qualidade e beleza da produção, mas também, por uma nota de esclarecimento que apareceu ao término do filme. Ela fazia menção ao escritor Stefan Zweig cuja obra fora tomada de inspiração pelo diretor do filme, Wes Anderson. Até aí, nada demais se não fosse por um simples detalhe: a data e o local da morte do escritor. Lá estava: "Petrópolis, 1942". Fui pega de surpresa! Não que eu soubesse muito sobre Stefan Zweig para ficar estupefata diante de uma informação desconhecida. O inesperado estava mesmo em descobrir que ele teve uma relação com o Brasil e, ainda por cima, em Petrópolis, município tão próximo de Nova Friburgo.

Ao chegar em casa, fiz uma pesquisa básica e fui descobrindo mais sobre Stefan Zweig, sua história de vida e suas obras. Nascido em Viena em 28 de novembro de 1881, Zweig cresceu em meio aos costumes judeus e educação burguesa. Desde jovem apresentou familiaridade com a escrita, a qual se dedicou, seguindo a carreira literária ao se formar em Literatura e Filosofia. A partir dos 21 anos, conquistou seu espaço no mundo literário sendo reconhecido como um célebre escritor através suas inúmeras produções. Durante boa parte da sua vida, fez viagens e encontros que lhe renderam grandes amizades. James Joyce, Hermann Hesse, Sigmund Freud são alguns nomes ilustres com os quais Zweig teve a honra de conviver.

Stefan Zweig em 1941. Acervo: Casa Stefan Zweig.

Assustado com o avanço do nazismo pela Europa, Zweig decide se refugiar no Brasil com a sua segunda esposa, Lotte Altmann. Stefan já conhecia o Brasil de viagens anteriores e, inclusive, havia escrito um livro sobre o país intitulado "Brasil, um país do futuro". O casal chega em setembro de 1941 e escolhe a vida pacata da serra, alugando uma casa em Petrópolis. No início, a esperança de um recomeço deixava ambos felizes, mas a antiga vida agitada, rodeada de debates intelectuais em cafés movimentados, se fazia cada vez mais distante em contraponto a um cotidiano monótono e em meio a pessoas que não falavam outro idioma a não ser o português. Se não bastasse, Zweig assistia às covardias de uma guerra que não dava sinais de enfraquecimento. Cada vez mais deprimido, Zweig não viu outra alternativa a não ser o suicídio. Após escrever um bilhete de despedida, ele e sua esposa consumaram o gesto trágico, em 23 de fevereiro de 1942.

Folha de identificação individual para o registro e estatística da entrada de estrangeiros em território nacional. Consulado Geral do Brasil em Londres, 27/5/1938. Arquivo Nacional, Serviço de Polícia Marítima, Aérea e de Fronteiras, RJ BR AN, RIO BO, SPMAF-RJ REG.106535 fl10.

Além da biografia de Zweig, a breve pesquisa me direcionou à casa onde ele residiu em Petrópolis. E, com prazer, pude constatar que hoje ela é um pequeno museu que tem, por finalidade, resguardar a memória de Stefan Zweig e divulgar a sua obra entre os brasileiros. Aberta ao público há pouco mais de dois anos, a casa conta com um pequeno acervo pessoal do escritor, conseguido através da doação de um sobrinha da esposa de Zweig. Estão expostos, por exemplo, suas penas de escrita, uma fotografia de Stefan autografada, seu tabuleiro de xadrez, livros de sua biblioteca pessoal. Todos esses objetos estão confinados num pequeno mostrador; é tudo o que se tem. Para muitos, talvez, esse pequeno acervo poderia parecer insignificante, mas, acredito que é a sua própria pequenez que o faz tão especial. Por serem poucos os objetos, acabamos nos detendo com mais cuidado, reparamos com minúcia em cada detalhe, o que os museus abarrotados de relíquias não nos permitem pois nossa atenção é constantemente alertada. Além disso, há muita produção cinematográfica, feita especialmente para o museu, algumas que narram sobre a vida e as obras de Stefan Zweig e outras com entrevistas sobre o tema.

Fachada da Casa Stefan Zweig.

Interior da Casa Stefan Zweig.

Livros do acervo pessoal do autor.

Tabuleiro de xadrez de Stefan Zweig.

Devido ao pequeno acervo, a casa, além de um museu, é também um espaço cultural. Ali há, constantemente, exposições, palestras, apresentações de artistas. No período em que lá estive, a exposição tratava a respeito da agenda de contatos de Stefan Zweig. Segundo a curadora da exposição, a identificação dos nomes, além de revelar sobre o círculo de amizade de Zweig, também permitiria a pesquisa desses outros personagens e suas influências sobre o escritor austríaco.


Reprodução da agenda de contatos de Stefan Zweig.

Além de museu e espaço cultural, a Casa Stefan Zweig, se propõe a ser um lugar de memória para aqueles que, como Zweig, deixaram suas terras natais para se refugiarem em outras plagas. Para tanto, está sendo desenvolvida uma pesquisa sobre todos os nomes de refugiados que se estabeleceram no Brasil ao longo de nossa história. Mesmo em andamento, a pesquisa já estava bem adiantada e disponível em um totem interativo. Nele, podemos escolher a forma de busca mais conveniente, por meio de datas, locais ou profissões. Eu, no caso, acabei querendo saber sobre dois historiadores, claro! Ao escolhermos os nomes, ouvimos uma pequena narração sobre a biografia do personagem em questão e suas principais obras. É um trabalho muito bem feito e emocionante e que parece conversar muito bem com a casa e, até mesmo, com a localidade. A Casa Stefan Zweig está localizada na Rua Gonçalves Dias, o autor de "Canção do Exílio" que, como diz a placa defronte à construção, acaba sendo uma feliz "homenagem à fraternidade, à solidariedade e ao humanismo".

                           
Totem interativo sobre refugiados no Brasil.


Stefan Zweig escreveu sua última obra nesta casa. Intitulada "Partida de xadrez", a novela é uma obra-prima que transcende o jogo de tabuleiro, mas que faz uso de sua tensão para retratar os horrores da guerra. Por esta razão, a Casa também abriga mesas com tabuleiro na varanda, além de um xadrez gigante no espaço do jardim. Não obstante a interatividade com o público, é uma forma sutil e bela de prestar homenagem aos últimos dias de vida de Stefan Zweig.

Xadrez gigante no jardim.

Para quem estiver interessado na produção de Stefan Zweig, as editoras Rocco, Zahar e LP&M vêm reeditando suas principais obras. Para quem quiser saber mais sobre a Casa de Petrópolis, aqui está o link do site: http://www.casastefanzweig.com.br/.

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Sobre janelas

Não pertenço a ninguém e pertenço a todos; 
antes de entrar, você já estava aqui; 
aqui você permanecerá depois de partir.
Denis Diderot

Guardo comigo algumas peculiaridades. Uma delas é fotografar janelas, geralmente, no sentido do interior para o exterior. Agrada-me registrar um ângulo fixo, delimitado pelas esquadrias, um ponto de vista único. 

Por detrás da vidraça admiro a paisagem que ali cabe. Concentro meu olhar nas linhas que se unem para formar o horizonte distante. Observo atentamente os recortes dos edifícios, o caminhar dos transeuntes. Meus pensamentos me transportam para as mãos construtoras desse panorama, aos homens e mulheres que deram vida a esse meio. Quantos, antes de mim, não se apaixonaram por esta mesma paisagem? 

Imediatamente, criam-se laços afetivos entre mim e o mundo além da moldura. E, ao me aproximar dos caixilhos, deparo-me com meu próprio olhar refletido no vidro, um olhar ávido por assegurar todos os detalhes, tão certo e decidido, mas também, admirado. 

A sobreposição de imagens transfigura-se em poesia: eu, que não me vejo na paisagem, me descubro parte dela. A janela, que me permite ver o que está do lado de fora, me conduz a enxergar o meu interior. Pergunto: terei eu me tornado outra em tão poucos segundos? Certamente, porque eu não somente vi, mas contemplei.

Uma das janelas do Palácio Tiradentes, Rio de Janeiro. Registro de 2010.

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Exposição: O Rio de Machado

Estar na cidade do Rio de Janeiro é um privilégio. Além das belas paisagens, da boemia dos cariocas, do clima agradável, a cidade é repleta de histórias. Uma ruela, uma escadaria, um prédio ou até mesmo o recorte do horizonte: tudo está embrenhado pelo testemunho do passado. Cada canto da cidade guarda vestígios das camadas do tempo e poder decifrá-los faz parte daqueles prazeres rotineiros de quem percorre as ruas do Rio. Na verdade, essa é a graça: deixar um pouco os pontos turísticos de lado e embrenhar-se no seu emaranhado de ruas, prédios e pessoas do cotidiano da cidade. 

Por ser um local de referência no mapa brasileiro desde o século XVI, tendo sido, inclusive, capital por 197 anos (de 1763 a 1960), o Rio de Janeiro foi palco dos principais fatos da história do país. Temos maior proximidade com tais acontecimentos através de livros de história que trabalham com propriedade fontes primárias de períodos específicos. Mas é possível se familiarizar com o passado do Rio por meio de referências mais sutis e agradáveis, como os romances da literatura nacional. 

E quando pensamos em literatura e Rio de Janeiro, não há como não citar o nome de Machado de Assis. Além de ser o ícone dos romancistas brasileiros, Machado de Assis é referência em testemunhos do Rio do século XIX e início do XX. Ao narrar as histórias de seus personagens, Machado de Assis também deixa conhecer a paisagem, os costumes, o modo de vida do Rio de Janeiro de sua época. Por meio de seus contos e romances somos transportados a um Rio que não existe mais, mas que, ao mesmo tempo, insiste em se manter presente! É impossível ler as grandes obras de Machado e não criar correspondência com os locais mencionados.

Poder conhecer in loco os espaços nos quais se travaram os grandes acontecimentos do passado é, sem dúvida, uma oportunidade emocionante. E foi essa a experiência que pude desfrutar através da exposição O Rio de Machado. Com idealização e curadoria da Artéria (Daniela Name e Gabriela Dias), a exposição tem por objetivo a divulgação e promoção do acesso à obra de Machado de Assis. Além da ocupação e de seminários no Museu de Arte do Rio (MAR), a exposição é composta também por passeios.

Imagem de dilvugação da exposição.

Ocupação nos pilotis do MAR.

Os passeios literários consistem em visitas guiadas pelos principais pontos do Rio de Janeiro citados nas obras de Machado de Assis. Eles ocorrem todo sábado das 11 às 14 horas e o último acontece no próximo sábado, dia 01 de novembro. Eu participei do passeio de sábado passado, dia 25 de outubro. Nossa concentração se deu nos pilotis do MAR onde foram formados dois grupos compostos, mais ou menos, por 30 pessoas. Nossa caminhada seria orientada pela guia Beatriz Tognarelli ou, simplesmente, Bia. Após as devidas apresentações, fomos conduzidos para o lado de fora do museu, onde nos foi apresentado o Morro da Conceição e a Zona Portuária do Rio e suas manifestações nos romances de Machado, principalmente em Memórias Póstumas de Brás Cubas e Quincas Borba.

Narrativa da nossa guia Bia, muito simpática e com tudo na ponta da língua! Próximo do Morro da Conceição.

Logo em seguida, tomamos a direção da Av. Presidente Vargas indo até a igreja da Candelária. Depois das devidas explicações, seguimos pela Rua 1º de Março fazendo uma rápida parada na Rua Teófilo Otoni, conhecida como Rua das Violas no tempo de Machado, onde ficava o escritório de advocacia do tio Cosme, personagem de Dom Casmurro. Dali, nos dirigimos até a Rua do Ouvidor, um dos pontos mais importantes do Rio de Janeiro oitocentista e citado tantas vezes por Machado (Ressurreição, Iaiá Garcia, Memórias Póstumas, Dom Casmurro, Esaú e Jacó). Depois, seguimos para a Rua Gonçalves Dias para desfrutar um cafezinho na Confeitaria Colombo, importante comércio existente desde 1894 e muito frequentado por Machado.

Confeitaria Colombo. 1. Detalhes da fachada. 2. Interior. 3. Doces. 4. Ladrilhos.

Da Confeitaria, seguimos para a Praça Tiradentes, lugar que se mistura com a vida e a obra de Machado já que ali ficava a tipografia na qual trabalhou ainda jovem. Em seguida, tomamos a Rua do Lavradio até chegarmos ao Largo da Lapa. Em frente aos aquedutos, relembramos os romances que se passam nos arredores, em algum lugar de Santa Tereza, na Rua de Matacavalos (atual Riachuelo), ou na Glória (Iaiá Garcia, Quincas Borba, Dom Casmurro). Logo, chegamos no Passeio Público, palco de importantes acontecimentos em Iaiá Garcia e Dom Camurro. Por fim, nos dirigimos a Cinelândia, onde finalizamos nosso passeio literário.

O passeio, sem dúvidas, foi uma atividade muito agradável. Apesar da longa distância que caminhamos, nem deu pra cansar! Os detalhes dos romances de Machado escondidos nas simetrias do Rio nos transportaram para uma outra dimensão, onde nos esquecemos do tempo e do espaço: quando nos demos conta o passeio já havia terminado. É claro, que há muito mais do Rio na obra de Machado mas, um passeio que abarcasse todos os locais em um único dia seria impossível. Dessa forma, os organizadores da exposição ainda tiveram o cuidado de elaborar um aplicativo compatível para Android e Apple que pode ser baixado gratuitamente. 

Imagens do aplicativo. 1. Abertura. 2. Página principal do romance "Memórias Póstumas".

Nesse aplicativo estão reunidas informações sobre os nove romances de Machado de Assis. Ao clicar sobre um deles, são dispostos os cenários cariocas citados no romance em questão. Além do trecho da obra aludindo ao local, ainda há um mapa para localização, fotografias da época e informações históricas. Além disso, é possível baixar o e-book de cada romance! Com o aplicativo, um amante de Machado de Assis vai poder ter informações extras sobre os locais citados em suas obras e, ainda, poder montar o seu próprio roteiro de passeio. Sem falar que, mesmo com o fim da exposição, vamos poder usufruir dela com um simples toque na tela do celular. Uma ideia simplesmente fantástica!

Depois disso tudo, não há como não se apaixonar mais ainda por Machado e, também, pelo Rio.

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Um dia para cultivar histórias e jardins

Sábado passado, dia 18 de outubro, Nova Friburgo recebeu a visita de Jean-Pierre Bériac, professor da Escola de Arquitetura e Paisagismo de Bordeaux. Pesquisador da história dos jardins, da paisagem e da arquitetura neoclássica, Bériac é também especialista em estudos sobre o paisagista Auguste Glaziou. Sendo Nova Friburgo depositária de duas das principais obras de Glaziou no Brasil, o professor empreendeu uma terceira visita à cidade, dessa vez com o intuito de expandir seu conhecimento sobre o assunto.

Sua visita foi coordenada pela Dra. Ana Pessoa, Diretora do Centro de Memória e Informação da Fundação Casa de Rui Barbosa. Ela propôs uma visita aos jardins do Parque São Clemente. Originalmente denominado Chácara do Chalet, o Parque São Clemente é um dos lugares mais conhecidos e visitados do município de Nova Friburgo. Foi criado na década de 1860 pelo Barão de Nova Friburgo, Antonio Clemente Pinto, adquirido por Eduardo Guinle já no século XX (1912) e tombado pelo Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em 1957, quando foi instituído como clube privado. Além dos jardins românticos projetados por Glaziou, considerados pelo especialista Carlos Fernando Delphim como um dos jardins românticos mais belos e mais bem preservados do país, a propriedade conta com a casa-sede, em estilo chalé, projetada pelo arquiteto alemão Gustave Waehneldt e preserva estuques e pinturas originais de grande riqueza de detalhes.


Lago central do Parque São Clemente/ Nova Friburgo Country Clube. Foto: Regina Lo Bianco.

O objetivo dessa nova visita do professor Bériac ao Parque São Clemente era lhe proporcionar conhecer o Chalet e também a parte dos jardins que se encontram em propriedade dos descendentes de César Guinle, os quais ele não teve oportunidade de visitar anteriormente. Sendo assim, nosso dia dedicado a cultivar histórias e jardins, começou às 10 horas da manhã. Fomos recebidos por um dos filhos de César Guinle, Maria Helena Flores Guinle. Muito gentil e prestativa, Maria Helena já havia separado algumas fotografias e documentos para mostrar ao professor. Sendo docente de francês e também tendo morado muitos anos na França, a língua não foi uma barreira para a anfitriã e ficamos mais de uma hora entretidos em conversas e viagens ao passado.

Em seguida, fomos fazer um tour pelo jardim da propriedade. O dia estava propício para a caminhada, com um belo sol a iluminar a paisagem. Durante o passeio fomos desvendando as belezas de um jardim privado e bem cuidado que, apesar da construção intencional, se apresenta como natureza selvagem. De acordo com Maria Helena, quando a propriedade foi comprada por seu avó Eduardo Guinle dos descendentes do Barão de Nova Friburgo, foi realizada uma grande recuperação de toda a área, incluindo os jardins de Glaziou e o terreno onde seria construída a casa da família. Para tanto, foram contratados profissionais especializados, dentre eles o artesão italiano Paulete, responsável pelas alamedas. Amante dos animais, Paulete organizou um grande jardim zoológico no terreno. No local onde hoje está a casa da família foi construído um enorme cercado para a disposição dos animais. Segundo depoimento de César Guinle [1], lá havia aves raras vindas da Amazônia e do exterior, como os "grous" africanos, marrecos, emas e antílopes da África os quais davam saltos imensos que extasiavam a todos!

Tour pelo jardim de propriedade dos Guinle.

Após o passeio pelo jardim, nos dirigimos ao Nova Friburgo Country Clube para a visitação do Chalet, a casa-sede da propriedade. Lá, fomos recebidos pelo Diretor de Patrimônio, Roosevelt Concy, o qual, além das boas vindas, fez uma breve explanação sobre a situação atual da casa que passa por obras emergencias de sua estrutura. Apesar daquelas confusões de qualquer obra (andaimes, escoramentos, móveis embalados), o professor Bériac se mostrou encantado diante da beleza dos estuques e pinturas da construção.
Jean-Pierre e Roosevelt no interior do Chalet.

Acredito que a visita do professor Bériac foi um importante evento para nós pesquisadores de jardins históricos. Geralmente, por estarmos diariamente enfrentando os problemas referentes à conservação de patrimônios culturais, nos enfastiamos diante das dificuldades de preservação de tais monumentos e, quando recebemos um visitante alheio as nossas questões, somos revigorados pelas manifestações de prazer e regozijo que ele demonstra diante da riqueza que temos. Quem sabe também, através do professor, teremos a oportunidade de estreitar laços com instituições de pesquisa francesas, podendo, no futuro, executarmos projetos em conjunto, o que para o Nova Friburgo Country Clube, proprietário dos jardins de Glaziou, seria uma oportunidade de exportar sua imagem, principalmente ao que concerne à preservação de jardins históricos. Sem dúvidas, esse encontro representa  o início de belos projetos vindouros!

Registro da visita ao Chalet.

[1] MEMORIA ORAL DEPOIMENTOS-ENTREVISTAS VOLUME I / CESAR GUINLE / PREFEITURA DE NOVA FRIBURGO SECRETARIA DE EDUCAÇÃO E CULTURA / Maria Suzel Soares da Cunha (Diretora do Departamento de Cultura) / JULHO 1985. Agradeço à Maria Helena pelas informações e fonte aqui citadas.

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Viagem a Belo Horizonte

Quinta-feira passada, dia 09 de outubro, viajei rumo a Belo Horizonte para participar do 14º Seminário Nacional de História da Ciência e da Tecnologia (14snhct.sbhc.org.br). O evento, organizado pela Sociedade Brasileira de História da Ciência (SBHC), teve duração de quatro dias e contou com conferências, mesas-redondas, minicursos e simpósios temáticos. De acordo com o Caderno de Resumos do seminário, o SNHCT deste ano contou com mais de 900 participantes, um recorde de participação que indica o crescimento da comunidade de pesquisadores da história das ciências no Brasil.


Minha apresentação foi encaixada no simpósio sobre desenvolvimento econômico, ciência e tecnologia, coordenado pelo professor Luiz Carlos Soares, da UFF. Tratei sobre a tecnologia empregada na construção da Estrada de Ferro de Cantagallo, um dos temas abordados na minha dissertação de mestrado.

Aproveitei a oportunidade de estar pela primeira vez na capital mineira para passear e conhecer alguns pontos turísticos do local. Como também pesquiso jardins históricos, não poderia deixar de visitar os pincipais parques da cidade. 

No sábado pela manhã, visitei a Praça da Liberdade localizada na região central. Criada ainda na época da fundação da capital (1895-97), ela conta com um traçado típico dos jardins clássicos: linhas e alamedas retas, espelhos d'água, repuxos, corbeilles (canteiros exclusivamente de flores), além da arte topiária (poda de árvores e arbustos). Além de um belo e agradável local de socialibilidade, a praça é reconhecida como um dos principais circuitos culturais do Brasil. Seu entorno reúne vários museus e galerias de arte, como o CCBB, a Casa Fiat da Cultura, o Espaço do Conhecimento UFMG, o Memorial Minas Gerais - VALE, o Museu das Minas e do Metal e o Palácio da Liberdade.


Em seguida, fui passear no Parque Municipal, distante cerca de 1 km da Praça da Liberdade. Esse parque é um belo exemplo dos jardins românticos do século XIX. Projetado pelo paisagista francês Paul Villon, aluno do famoso Auguste Glaziou, foi inaugurado em 1897. Em seus 180 mil metros quadrados, há muitos lagos cortados por alamedas sinuosas ladeadas por todo tipo de árvores e plantas. Há ainda muitas pontes imitando troncos de árvores, pavilhões, ruínas e recantos pitorescos, tão comuns no ideal romântico. Numa parte do jardim, havia também diversos brinquedos de parques de diversões e acabei indo na roda gigante pra conferir a paisagem do parque lá de cima. Foi uma experiência muito divertida! Além disso, também remei num dos lagos. Apesar de nunca ter feito isso antes, até que me saí bem e pude ver o parque de um outro ângulo.


Após o almoço, fui conferir as atrações da Pampulha. Lá estão localizadas as principais obras do modernismo brasileiro. Desci do ônibus no ponto próximo à Igreja de São Francisco de Assis. Com projeto de Oscar Niemeyer de 1940, também conta com um belíssimo afresco de Cândido Portinari. A visitação ao interior é cobrada e custa R$ 2,00 a entrada inteira. Lá dentro não é permitido fotografias devido aos direitos autorais. Como é possível ver o interior por uma grande parede de vidro, muitas pessoas não visitam a igreja. Eu optei por visitar e, afirmo, que foi uma experiência belíssima. Lá dentro, sem nenhuma interferência do exterior, eu pude ver os detalhes das tesselas, os quadros da via crucis, a sutileza das curvas da abóbada. Diante do afresco de Portinari é impossível não se emocionar! Do lado de fora, a lagoa nos oferece uma bela vista e a ótima companhia das fofíssimas capivaras!


Em seguida, resolvi fazer uma visita guiada ao estádio de futebol do Mineirão. Percorri a distância de mais ou menos 1 km para saber que as visitas já haviam acabado naquele dia! Fiquei um pouco indignada e decepcionada por ter caminhado embaixo daquele sol de uma hora da tarde e dar com a cara na porta. Então decidi dar meia volta e ir até a Casa do Baile, mais 2 km pela frente... Trilhei as bordas da lagoa, o que foi bem agradável. Mas, confesso, que no meio do caminho já estava desesperada por nunca avistar a casa! Quando lá cheguei, meus pés e minhas pernas estavam doloridos. Mas logo me esqueci desse detalhe diante da beleza da construção. A Casa do Baile, também projeto de Oscar Niemeyer, conta com um jardim do paisagista Burle Marx que se comunica perfeitamente com a edificação e com a marquise em forma livre. Construída para ser um restaurante dançante, hoje a casa abriga o Centro de Referência de Urbanismo, Arquitetura e Design.


Não aguentando mais continuar o percurso a pé, resolvi chamar um taxi (não há ônibus!) e ir até o Museu de Arte da Pampulha. Infelizmente, nenhum dos taxis que passavam estavam disponíveis. Dessa forma, eu achei melhor fazer o retorno e ir até a Casa Kubitschek. Consegui pegar um taxi e, em poucos minutos, eu estava diante da residência de campo de JK. À primeira vista, a casa já é estonteante. A arquitetura modernista também de Oscar Niemeyer (1943), com telhado borboleta e platibanda com detalhes em madeira, localizada aos fundos de um belo jardim de Burle Marx, forma uma paisagem elegante e aconchegante. No seu interior, estão o mobiliário original da casa, testemunho dos hábitos e do modo de morar de meados do século XX. Há intervenções artísticas em alguns pontos da residência, como projeções, quadros pendentes e frases afixadas nas paredes, o que torna a visita mais lúdica, viva e emocionante. Os funcionários foram superatenciosos e simpáticos, característica do povo mineiro. Sem dúvida, a Casa Kubitschek foi o meu local de visitação favorito!


Sem energia pra continuar, eu dei por finalizado o meu passeio na Pampulha. Apesar de perder outras atrações de igual importância, eu fiquei satisfeita com os locais que pude conhecer pessoalmente. Com a ajuda de um amigo, ainda consegui ir a Praça do Papa e ao Mirante das Mangabeiras, locais de onde a paisagem da capital mineira se descortina ao nosso olhar. Recomendo!


Dica de hospedagem: Collaborate Design Hostel. Albergue muito bem localizado. Tem espaço numa belíssima casa modernista com uma decoração contemporânea e descontraída.