quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Xadrez na sala de aula

Muito já se foi falado sobre a importância da utilização do jogo de xadrez em sala de aula. Seja na disciplina de matemática, educações artística ou física, o xadrez é um ótimo parceiro na educação de crianças, jovens e adultos, principalmente, pela sua característica socioeducativa que estimula a cognição. A prática do jogo permite ao aluno uma maior concentração e atenção diante do aprendizado; desenvolvimento do raciocínio e, até mesmo, da imaginação.

De acordo com os enxadristas Felix Sonnenfeld e Idel Becker, o xadrez pode ser definido como jogo, ciência e arte. Ou seja, em uma única atividade, são reunidos o esporte, com sua competição e divertimento; o estudo, com a pesquisa e o descobrimento; e a beleza, com sua admiração e harmonia.

O ideal seria estabelecer o xadrez como uma disciplina e não somente como ferramenta educacional complementar. Mas, enquanto as grades escolares não são modificadas, os professores podem fazer uso desse jogo de tabuleiro em suas aulas. Eu mesma já fiz isso, durante o meu estágio no período de faculdade de História.

Dois livros básicos sobre xadrez. Um com as regras e estudo dos movimentos e o outro sobre a história do jogo. Sob eles está a minha mesa de xadrez, em madeira marchetada, original do século XIX.

Como o tempo de disciplina é curto, não me foi possível esmiuçar todos os detalhes do jogo, nem mesmo me detive em explicar o objetivo e o movimento das peças. No entanto, fiz uso da imagem simbólica do xadrez para explicar a sociedade feudal da Idade Média europeia.

Dessa forma, dividi a turma em grupos e os ajudei a organizar as peças no tabuleiro. Inicialmente, fiz uma pequena introdução à história do xadrez. Apesar de grande controvérsia, a maioria dos historiadores concorda que o xadrez nasceu a partir da combinação de jogos de guerra e azar e jogos de lógica e estratégia, provavelmente alguns séculos antes de Cristo em alguma região do Oriente.

O jogo de xadrez chega a Europa por duas vertentes, tanto pela invasão de Espanha, Portugal e da França pelos árabes no início do século VIII, como também pelas rotas comerciais na região do Mediterrâneo. A chegada da cultura islâmica na Europa trazia consigo os conhecimentos do oriente. Os europeus assimilaram e adaptaram os costumes orientais ao seu modo de vida. Dessa forma, o jogo de xadrez ganhou uma nova cara, deixou de lado as representações dos soberanos asiáticos e da fauna típica, como os elefantes, para dar lugar aos reis e aos cavalos.

A partir daí, expliquei como se dava a organização do mundo medieval na Europa ocidental. Segundo o grande medievalista Jacques Le Goff, o feudalismo foi “um sistema de organização econômica, social e política baseado nos vínculos de homem a homem, no qual uma classe de guerreiros especializados – os senhores –, subordinados uns aos outros por uma hierarquia de vínculos de dependência, domina uma massa campesina que explora a terra e lhes fornece com que viver”.

Dessa forma, expliquei aos alunos que no xadrez está representada a composição social e política do feudalismo. Vejamos: em primeiro lugar, o xadrez é um jogo de guerra, isto é, dois exércitos lutam num campo de batalha com o objetivo de vencer o inimigo. Durante os primeiros séculos que compreendem a Idade Média, os europeus conviviam com a realidade das invasões de território. A guerra era um hábito e se preparar para ela era considerado mais do que normal, e sim, necessário.

Em relação às peças, a principal delas é o Rei representando os nobres (o poder temporal), os quais detinham a posse das terras e se dedicavam basicamente às atividades militares. Diferentemente do jogo oriental que não possuía a figura feminina, o xadrez europeu permite ao Rei a companhia de sua consorte, a Rainha. E, acredito eu, esse fato se dá, principalmente, para expressar a união cristã, ou seja, a influência da Igreja Católica nas decisões políticas e ideológicas. Tanto é, que no tabuleiro também o clero (o poder espiritual) está representado através dos bispos.

Os cavalos retomam o sentido da guerra, já que eram uma das grandes armas a serem utilizadas no campo de batalha. As torres fazem menção aos castelos medievais. Logo à frente dessas peças estão os peões que seriam uma espécie de infantaria do exército. Mas não deixam de representar os servos, isto é, os trabalhadores que compreendiam a maioria da população camponesa, responsáveis pelos trabalhos necessários à subsistência da sociedade.

Durante a aula, consegui percorrer sobre essas características, além de discutir a troca de conhecimento entre os povos, a assimilação de costumes e o por quê de até hoje jogarmos xadrez com peças referentes à Idade Média. Apesar de não tido tempo para ensinar as regras do jogo, as quais uns já sabiam, a grande maioria ficou interessada em aprender e, penso eu, que voltaram para casa com a intensão de jogar um pouquinho.

E, mais do que isso, tenho certeza que os alunos conseguiram compreender de forma lúdica a organização de uma sociedade que para eles é muito distante e de difícil absorção. Ao estabelecer a comparação entre o jogo e o feudalismo os alunos conseguiram entender o conteúdo da disciplina sem grandes esforços ou fórmulas decoradas. Ou seja, aprenderam brincando!

Na foto, eu aos 12 anos de idade acompanhada do meu primeiro professor de xadrez, Luiz Carlos de Oliveira, no clube de xadrez da escola. Os professores são grandes incentivadores!

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