quarta-feira, 23 de julho de 2014

Drones e a guerra tecnológica

Por Vanessa Melnixenco e  Vinícius Prado da Fonseca*
"In the Age of the Almighty Computer, drones are the perfect warriors. They kill without remorse, obey without kidding around, and they never reveal the names of their masters". - Eduardo Galeano
Todos os dias, manchetes e noticiários estampam cenas cruéis de um mundo em guerra. Apesar da frugalidade e até frieza com as quais essas informações são transmitidas, o que mais afronta é constatar que a grande maioria das vítimas é de civis, pessoas inocentes que tentavam sobreviver em uma zona de risco e, talvez, até mesmo alheias às reais causas do conflito.
Infelizmente, não é de hoje que civis são vitimados em combates. O revolucionário Friedrich Engels, no século XIX, ficou horrorizado diante da explosão de uma bomba em Westminster Hall, “porque, como velho soldado, afirmava que a guerra se travava contra combatentes e não contra não combatentes”[1]. E se pudesse ter vivido o suficiente para assistir à Primeira Guerra Mundial, provavelmente, a sua repulsa seria maior.
A Primeira Grande Guerra contribuiu significativamente para a inovação tecnológica. Não há dúvidas, como disse o historiador Eric Hobsbawm, “que a guerra ou a preparação para a guerra foi um grande mecanismo para acelerar o progresso técnico”[2]. E esse grande conflito pelo qual a “Era dos Extremos” foi inaugurada, permitiu a criação de diversos inventos ou o desenvolvimento de tecnologias para fins militares, como os tanques, os armamentos pesados e os aviões. Esses últimos alcançaram sua maioridade durante a Segunda Guerra Mundial, quando foram essenciais para destruir alvos terrestres e marítimos, mas também, para aterrorizar civis.
Os avanços tecnológicos militares atingiram um patamar ainda mais elevado durante o período de Guerra Fria, quando armar-se era a melhor forma de proteger-se, a famosa “corrida armamentista”. E, de uns anos pra cá, o desenvolvimento da ciência tecnológica é cada vez mais veloz. Atualmente, a mais famosa arma de guerra são os veículos aéreos não tripulados, ou simplesmente, drones.
Os drones, veículos aéreos não tripulados (VANT), no jargão em português, são uma classe de aeronaves operadas remotamente. Diferentes nomenclaturas são utilizadas de acordo com características de tamanho (dentre os tipos mais comuns estão o nano e micro VANT, com escala desde centímetros a alguns metros), utilização (reconhecimento, transporte, vigilância, comunicação, etc) e nível de independência do operador (veículo remotamente operado, missão pré-planejada, coordenação de vários veículos, etc). 
Atualmente a pesquisa é focada, na sua grande maioria, em aplicações específicas (agricultura, vigilância, incursões militares, defesa civil, etc) ou na autonomia do veículo como agente inteligente da missão. A parte de telemetria e operação remota já tem bases bem consolidadas desde o desenvolvimento dos primeiros aeromodelos. Assim a tomada de decisão inteligente tem sido o foco de inúmeros governos e grupos de pesquisa, não no campo aéreo mas no estudo dos veículos autônomos em geral (terrestres e aquáticos). Uma infinidade de diferentes tipos de sensores podem ser utilizados para prover diversos níveis de automatismo. Desde simples controle de voo, passando por navegação autônoma, até mira automática já podem ser desenvolvidos utilizando tecnologias no estado da arte.
Como equipamento militar, os drones estão sendo utilizados, principalmente, em guerra de terror, ou seja, naqueles conflitos que, necessariamente, não estão concentrados em uma única região ou país. Apesar de poderem desempenhar um papel cirúrgico, milhares de pessoas inocentes estão sendo vitimadas por disparos e bombardeios.
Como vimos, há mais de um século que as guerras possuem uma característica impessoal. Bastava o apertar de um botão ou o virar de uma alavanca para uma bomba ceifar milhares de vidas. As vítimas existiam, mas eram invisíveis, apenas estatísticas. Todavia, as guerras atuais parecem ser ainda mais cruéis. Essa constatação foi feita pelo grande pensador contemporâneo Zygmunt Bauman ao sugerir que “os desenvolvimentos tecnológicos mais fundamentais dos últimos anos não foram pesquisados e introduzidos para aumentar o poder mortífero dos armamentos, mas na área da “adiaforização” da matança militar (ou seja, sua exclusão da categoria de ações sujeitas à avaliação moral)”[3].
Como ele mesmo diz sobre os drones, sua função manifesta, isto é, a função que se refere aos efeitos intencionalmente buscados, “é habilitar seu operador a localizar o objeto da execução”. Mas não estariam os drones possibilitando um desligamento moral do operador diante do alvo? Uma vítima inocente condenada pela mira de um drone não poderia ser justificada como um erro técnico? Se os drones podem desempenhar papéis tão precisos, por que ainda há tantas mortes de civis? Talvez a resposta esteja na sentença de Eduardo Galeano de que “quando as guerras vão bem, a economia vai melhor”[4].
*Mestre em Sistemas de Engenharia e Computação pelo Instituto Militar de Engenharia (1792). Bacharel em Ciência da Computação pela Universidade Federal do Tocantins.
[1]HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: o breve século XX: 1914-1991. Tradução de Marcos Santarrita. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. 22p.
[2]Ibdem. 54p.
[3]BAUMAN, Zygmunt. Isto não é um diário. Tradução de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2012. 167p.
[4] GALEANO, Eduardo. O teatro do bem e do mal. Tradução de Sérgio Faraco. Porto Alegre: L&PM, 2006.

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