Para mim, o mais interessante de todo o livro é a introdução,
na qual ele explica a importância de se ler os clássicos. A escrita de Calvino
é impecável e tenho certeza de que não vou conseguir explicar melhor do que
ele, mas só vou destacar as questões que me despertaram a atenção e me ajudaram
a lidar com o tema.
Segundo Calvino, um clássico é uma obra que gera um “efeito
de ressonância” que tem a capacidade de perdurar além do tempo de sua produção.
Nas palavras do autor, “os clássicos são aqueles livros que chegam até nós
trazendo consigo as marcas das leituras que precederam a nossa e atrás de si os
traços que deixaram na cultura ou nas culturas que atravessaram (ou mais
simplesmente na linguagem ou nos costumes)”.
Em decorrência da palavra “clássico”, logo fazemos uma
associação com obras muito antigas, no entanto essa denominação se encaixa
também para as obras modernas, mas que já tenham conquistado um lugar próprio
numa “continuidade cultural”.
Geralmente, nossa primeira aproximação com os clássicos se
dá no período escolar, quando somos apresentados aos ícones da literatura
nacional. Lembro-me que só de ouvir os nomes de Machado de Assis, Lima Barreto,
Aluízio de Azevedo, já ficava arrepiada! Achava um absurdo ter de ler obras tão
chatas. Mas, como poderia considerá-las chatas, se nem ao menos as tinha lido? E
quando li “A Moreninha”, por exemplo, me derreti de amores pelo Joaquim Manoel
de Macedo! E essa é uma das características dos clássicos: “quanto mais
pensamos conhecer por ouvir dizer, quando são lidos de fato mais se revelam
novos, inesperados, inéditos”.
De acordo com Calvino, o papel da escola é fundamental para
que conheçamos um certo número de clássicos, querendo ou não. Esse contato nos
oferece instrumentos para efetuar opções futuras de leitura e, dentre elas,
escolher os “nossos” clássicos. Além disso, devemos ser apresentados aos textos
originais, evitando as adaptações, interpretações ou bibliografia crítica, pois
“nenhum livro que fala de outro livro diz mais sobre o livro em questão”.
A leitura da juventude é formativa no sentido de dar forma às
“experiências futuras, fornecendo modelos, recipientes, termos de comparação,
esquemas de classificação, escalas de valores, paradigmas de beleza: todas,
coisas que continuam a valer mesmo que nos recordemos pouco ou nada do livro
lido”. Ao mesmo tempo, pode ser pouco profícua pela “impaciência, distração,
inexperiência das instruções para o uso, inexperiência da vida”.
Dessa forma, “ler pela primeira vez um grande livro na idade
madura é um prazer extraordinário (...). A juventude comunica ao ato de ler
como a qualquer outra experiência em sabor e uma importância particulares; ao
passo que na maturidade apreciam-se (deveriam ser apreciados) muitos detalhes,
níveis e significados a mais”.
Calvino também ressalta que, geralmente, os clássicos são
aqueles livros dos quais se ouve dizer: “Estou relendo...” e nunca “Estou
lendo...”. No entanto, “o prefixo reiterativo antes do verbo ler pode ser uma
pequena hipocrisia por parte dos que se envergonham de admitir não ter lido um
livro famoso”. Lembro-me que uma vez estava desfilando com um exemplar de Orgulho
e Preconceito e me perguntaram se o estava relendo. Na verdade, era a primeira
vez que tinha a oportunidade de ter a obra em minhas mãos e, diante da
pergunta, acabei confirmando com a cabeça, pois me pareceu ridículo uma moça
de, na época, 22 anos nunca ter lido o clássico da Jane Austen. Mas, Calvino
nos tranquiliza ao dizer que por maiores que sejam as leituras “de formação”
que tenhamos feito, resta sempre um número enorme de obras para serem lidas
futuramente.
Além disso, a releitura de um clássico é uma leitura de
descoberta. Se os livros mudam à luz de uma perspectiva histórica diferente,
por que não mudariam diante de nós, que somos “metamorfoses ambulantes”? Dessa
forma, “usar o verbo ler ou reler não tem nenhum importância”!
Mas, se não bastassem os clássicos, ainda somos o tempo todo
bombardeados pelas produções atuais e pelos best sellers. Fica difícil saber
conciliar entre um e outro. Mas, segundo Calvino, “o rendimento máximo da
leitura dos clássicos advém para aquele que sabe alterná-la com a leitura de atualidade
numa sábia dosagem”. Portanto, cabe a cada leitor saber reservar seu momento
para cada tipo de leitura.
E para terminar, fecho com as próprias conclusões de Calvino:
“A única razão que se pode apresentar é que ler os clássicos
é melhor do que não ler os clássicos. E se alguém objetar que não vale a pena o
esforço, citarei Cioran: “Enquanto era preparada a cicuta, Sócrates estava
aprendendo uma ária com a flauta. ‘Para que lhe servirá?’, perguntaram-lhe.
Para aprender esta ária antes de morrer’”.
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