quarta-feira, 2 de julho de 2014

Por que ler os clássicos


Sempre tive o desejo de ler uma obra do Italo Calvino (1923-1985), mas só me caíam nas mãos alguns de seus artigos. Até que dias atrás encontrei numa biblioteca a primeira edição de “Por que ler os clássicos” publicada pela Companhia das Letras em 1993. Por ser um livro póstumo, seu conteúdo se divide em 36 artigos de diferentes datas, organizados pela esposa de Calvino, que tratam de clássicos da literatura antiga à contemporânea.



Para mim, o mais interessante de todo o livro é a introdução, na qual ele explica a importância de se ler os clássicos. A escrita de Calvino é impecável e tenho certeza de que não vou conseguir explicar melhor do que ele, mas só vou destacar as questões que me despertaram a atenção e me ajudaram a lidar com o tema.

Segundo Calvino, um clássico é uma obra que gera um “efeito de ressonância” que tem a capacidade de perdurar além do tempo de sua produção. Nas palavras do autor, “os clássicos são aqueles livros que chegam até nós trazendo consigo as marcas das leituras que precederam a nossa e atrás de si os traços que deixaram na cultura ou nas culturas que atravessaram (ou mais simplesmente na linguagem ou nos costumes)”.

Em decorrência da palavra “clássico”, logo fazemos uma associação com obras muito antigas, no entanto essa denominação se encaixa também para as obras modernas, mas que já tenham conquistado um lugar próprio numa “continuidade cultural”.

Geralmente, nossa primeira aproximação com os clássicos se dá no período escolar, quando somos apresentados aos ícones da literatura nacional. Lembro-me que só de ouvir os nomes de Machado de Assis, Lima Barreto, Aluízio de Azevedo, já ficava arrepiada! Achava um absurdo ter de ler obras tão chatas. Mas, como poderia considerá-las chatas, se nem ao menos as tinha lido? E quando li “A Moreninha”, por exemplo, me derreti de amores pelo Joaquim Manoel de Macedo! E essa é uma das características dos clássicos: “quanto mais pensamos conhecer por ouvir dizer, quando são lidos de fato mais se revelam novos, inesperados, inéditos”.

De acordo com Calvino, o papel da escola é fundamental para que conheçamos um certo número de clássicos, querendo ou não. Esse contato nos oferece instrumentos para efetuar opções futuras de leitura e, dentre elas, escolher os “nossos” clássicos. Além disso, devemos ser apresentados aos textos originais, evitando as adaptações, interpretações ou bibliografia crítica, pois “nenhum livro que fala de outro livro diz mais sobre o livro em questão”.

A leitura da juventude é formativa no sentido de dar forma às “experiências futuras, fornecendo modelos, recipientes, termos de comparação, esquemas de classificação, escalas de valores, paradigmas de beleza: todas, coisas que continuam a valer mesmo que nos recordemos pouco ou nada do livro lido”. Ao mesmo tempo, pode ser pouco profícua pela “impaciência, distração, inexperiência das instruções para o uso, inexperiência da vida”.

Dessa forma, “ler pela primeira vez um grande livro na idade madura é um prazer extraordinário (...). A juventude comunica ao ato de ler como a qualquer outra experiência em sabor e uma importância particulares; ao passo que na maturidade apreciam-se (deveriam ser apreciados) muitos detalhes, níveis e significados a mais”.

Calvino também ressalta que, geralmente, os clássicos são aqueles livros dos quais se ouve dizer: “Estou relendo...” e nunca “Estou lendo...”. No entanto, “o prefixo reiterativo antes do verbo ler pode ser uma pequena hipocrisia por parte dos que se envergonham de admitir não ter lido um livro famoso”. Lembro-me que uma vez estava desfilando com um exemplar de Orgulho e Preconceito e me perguntaram se o estava relendo. Na verdade, era a primeira vez que tinha a oportunidade de ter a obra em minhas mãos e, diante da pergunta, acabei confirmando com a cabeça, pois me pareceu ridículo uma moça de, na época, 22 anos nunca ter lido o clássico da Jane Austen. Mas, Calvino nos tranquiliza ao dizer que por maiores que sejam as leituras “de formação” que tenhamos feito, resta sempre um número enorme de obras para serem lidas futuramente.

Além disso, a releitura de um clássico é uma leitura de descoberta. Se os livros mudam à luz de uma perspectiva histórica diferente, por que não mudariam diante de nós, que somos “metamorfoses ambulantes”? Dessa forma, “usar o verbo ler ou reler não tem nenhum importância”!

Mas, se não bastassem os clássicos, ainda somos o tempo todo bombardeados pelas produções atuais e pelos best sellers. Fica difícil saber conciliar entre um e outro. Mas, segundo Calvino, “o rendimento máximo da leitura dos clássicos advém para aquele que sabe alterná-la com a leitura de atualidade numa sábia dosagem”. Portanto, cabe a cada leitor saber reservar seu momento para cada tipo de leitura.

E para terminar, fecho com as próprias conclusões de Calvino:
“A única razão que se pode apresentar é que ler os clássicos é melhor do que não ler os clássicos. E se alguém objetar que não vale a pena o esforço, citarei Cioran: “Enquanto era preparada a cicuta, Sócrates estava aprendendo uma ária com a flauta. ‘Para que lhe servirá?’, perguntaram-lhe. Para aprender esta ária antes de morrer’”.



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