quarta-feira, 30 de julho de 2014

Um olhar em preto e branco

Nas grandes capitais do Brasil e do mundo afora, a arte de rua domina a paisagem urbana. Qualquer tipo de suporte, seja ele um muro, uma fachada, ou um hidrante, vira tela para o artista. E, mesmo que não tenhamos nenhum conhecimento a respeito do autor, vamos nos familiarizando com os traços e as cores próprias de cada grafite.

Nas cidades interioranas, o grafite também está presente, mas em escala bem reduzida, provavelmente, devido ao velho conservadorismo... E isso ficou bem claro, durante essa semana, aqui em Nova Friburgo, região serrana do Rio de Janeiro. Domingo passado, dia 27, quem passava pelo centro da cidade, foi surpreendido pelo trabalho do artista pernambucano Derlon Almeida na fachada do prédio da Usina Cultural. A antiga parede branca estava dando lugar a uma obra de arte!

Primeiros traços de domingo.

O trabalho do Derlon é bem diferente dos grafites populares. Suas intervenções são inspiradas no método de xilogravura, técnica de gravação em madeira e que se tornou muito comum na literatura de cordel, manifestação artística típica do nordeste brasileiro. Os seus traços fortes em preto e branco já foram motivo de surpresa, mas, acredito eu, que a falta de hábito dos friburguenses diante da arte de rua também foi um grande fator para o sobressalto geral.

Não teve uma pessoa que não parasse para admirar o trabalho, mesmo se estivesse dirigindo e atrapalhasse um pouquinho o trânsito! A comoção foi geral, sem dúvida, principalmente, porque a imprensa ainda não tinha dado conhecimento do fato. Todo mundo queria bater uma foto ou dar uma palavrinha com o artista. Eu, claro, muito curiosa, aproveitei um momento de descanso do Derlon pra fazer umas perguntas a respeito do novo trabalho.


Em primeiro lugar, devo ressaltar a simplicidade do rapaz. Apesar de já ter exposto seus trabalhos nos principais centros artísticos do mundo, como Paris, Londres e Amsterdã, ele é muito simpático, atencioso e humilde. E, diante do seu histórico, a minha primeira questão foi sobre a sensação de produzir um trabalho no Brasil e numa cidade do interior como Nova Friburgo. Para ele, fazer uma intervenção num município pequeno é mais significativo do que nas capitais, isso porque, o ritmo da cidade é quebrado, a sua obra ganha mais visibilidade e importância para a população, o contrário do que acontece num grande centro urbano. Derlon também me contou que foi a primeira vez que visitou Nova Friburgo, uma cidade que só conhecia de nome, e que estava muito feliz por poder deixar um trabalho inédito para a população.

O prédio onde foi feita a obra de Derlon, propriedade da empresa de energia elétrica Energisa, é um imóvel antigo, datado da primeira metade do século XIX, mais precisamente, 1845. Está situado numa das esquinas mais movimentadas da cidade. Foi propriedade de Antonio Clemente Pinto, o Barão de Nova Friburgo, e lhe servia como adega e depósito de materiais de viagem. Inicialmente, era uma casa térrea com porta central e duas janelas de cada lado. Mas, em 1923, foi reformada e passou a ser um sobrado com dois pavimentos, características que são preservadas até hoje. Devido a sua importância histórica, este imóvel, bem como outros, foi decretado patrimônio cultural pelo município em 2012.

O prédio anteriormente. Crédito: Google Maps

Diante dessa informação, perguntei ao Derlon se ele já tinha grafitado em um bem tombado e qual era a perspectiva de poder fazer um trabalho num imóvel protegido. Ele me disse que já tinha passado pela experiência de grafitar uma igreja, mas que os trabalhos foram apagados pelo padre responsável. Ele também se mostrou muito surpreso em saber que o imóvel é considerado patrimônio histórico. Para mim, a produção artística, além de não interferir nas características do imóvel, promoverá a sua proteção através da conjugação do antigo e do contemporâneo.

E agora com nova cara!

A intervenção foi uma iniciativa do Festival Sesc de Inverno que teve como tema a arte de rua. O objetivo era proporcionar a interação entre o cotidiano urbano e manifestações artísticas, principalmente o grafite. Mais do que um belo presente, tenho certeza que a obra de arte do Derlon vai além do embelezamento da cidade. Durante quatro dias, a população assistiu ao espetáculo de um artista, interagiu com ele, mesmo que à distância, ao admirar e reconhecer a beleza de seu trabalho. Acredito que, a partir de agora, os friburguenses vão olhar a sua cidade com outros olhos, ao reconhecer o valor de um local bonito e agradável e a importância de mantê-lo conservado!


quarta-feira, 23 de julho de 2014

Drones e a guerra tecnológica

Por Vanessa Melnixenco e  Vinícius Prado da Fonseca*
"In the Age of the Almighty Computer, drones are the perfect warriors. They kill without remorse, obey without kidding around, and they never reveal the names of their masters". - Eduardo Galeano
Todos os dias, manchetes e noticiários estampam cenas cruéis de um mundo em guerra. Apesar da frugalidade e até frieza com as quais essas informações são transmitidas, o que mais afronta é constatar que a grande maioria das vítimas é de civis, pessoas inocentes que tentavam sobreviver em uma zona de risco e, talvez, até mesmo alheias às reais causas do conflito.
Infelizmente, não é de hoje que civis são vitimados em combates. O revolucionário Friedrich Engels, no século XIX, ficou horrorizado diante da explosão de uma bomba em Westminster Hall, “porque, como velho soldado, afirmava que a guerra se travava contra combatentes e não contra não combatentes”[1]. E se pudesse ter vivido o suficiente para assistir à Primeira Guerra Mundial, provavelmente, a sua repulsa seria maior.
A Primeira Grande Guerra contribuiu significativamente para a inovação tecnológica. Não há dúvidas, como disse o historiador Eric Hobsbawm, “que a guerra ou a preparação para a guerra foi um grande mecanismo para acelerar o progresso técnico”[2]. E esse grande conflito pelo qual a “Era dos Extremos” foi inaugurada, permitiu a criação de diversos inventos ou o desenvolvimento de tecnologias para fins militares, como os tanques, os armamentos pesados e os aviões. Esses últimos alcançaram sua maioridade durante a Segunda Guerra Mundial, quando foram essenciais para destruir alvos terrestres e marítimos, mas também, para aterrorizar civis.
Os avanços tecnológicos militares atingiram um patamar ainda mais elevado durante o período de Guerra Fria, quando armar-se era a melhor forma de proteger-se, a famosa “corrida armamentista”. E, de uns anos pra cá, o desenvolvimento da ciência tecnológica é cada vez mais veloz. Atualmente, a mais famosa arma de guerra são os veículos aéreos não tripulados, ou simplesmente, drones.
Os drones, veículos aéreos não tripulados (VANT), no jargão em português, são uma classe de aeronaves operadas remotamente. Diferentes nomenclaturas são utilizadas de acordo com características de tamanho (dentre os tipos mais comuns estão o nano e micro VANT, com escala desde centímetros a alguns metros), utilização (reconhecimento, transporte, vigilância, comunicação, etc) e nível de independência do operador (veículo remotamente operado, missão pré-planejada, coordenação de vários veículos, etc). 
Atualmente a pesquisa é focada, na sua grande maioria, em aplicações específicas (agricultura, vigilância, incursões militares, defesa civil, etc) ou na autonomia do veículo como agente inteligente da missão. A parte de telemetria e operação remota já tem bases bem consolidadas desde o desenvolvimento dos primeiros aeromodelos. Assim a tomada de decisão inteligente tem sido o foco de inúmeros governos e grupos de pesquisa, não no campo aéreo mas no estudo dos veículos autônomos em geral (terrestres e aquáticos). Uma infinidade de diferentes tipos de sensores podem ser utilizados para prover diversos níveis de automatismo. Desde simples controle de voo, passando por navegação autônoma, até mira automática já podem ser desenvolvidos utilizando tecnologias no estado da arte.
Como equipamento militar, os drones estão sendo utilizados, principalmente, em guerra de terror, ou seja, naqueles conflitos que, necessariamente, não estão concentrados em uma única região ou país. Apesar de poderem desempenhar um papel cirúrgico, milhares de pessoas inocentes estão sendo vitimadas por disparos e bombardeios.
Como vimos, há mais de um século que as guerras possuem uma característica impessoal. Bastava o apertar de um botão ou o virar de uma alavanca para uma bomba ceifar milhares de vidas. As vítimas existiam, mas eram invisíveis, apenas estatísticas. Todavia, as guerras atuais parecem ser ainda mais cruéis. Essa constatação foi feita pelo grande pensador contemporâneo Zygmunt Bauman ao sugerir que “os desenvolvimentos tecnológicos mais fundamentais dos últimos anos não foram pesquisados e introduzidos para aumentar o poder mortífero dos armamentos, mas na área da “adiaforização” da matança militar (ou seja, sua exclusão da categoria de ações sujeitas à avaliação moral)”[3].
Como ele mesmo diz sobre os drones, sua função manifesta, isto é, a função que se refere aos efeitos intencionalmente buscados, “é habilitar seu operador a localizar o objeto da execução”. Mas não estariam os drones possibilitando um desligamento moral do operador diante do alvo? Uma vítima inocente condenada pela mira de um drone não poderia ser justificada como um erro técnico? Se os drones podem desempenhar papéis tão precisos, por que ainda há tantas mortes de civis? Talvez a resposta esteja na sentença de Eduardo Galeano de que “quando as guerras vão bem, a economia vai melhor”[4].
*Mestre em Sistemas de Engenharia e Computação pelo Instituto Militar de Engenharia (1792). Bacharel em Ciência da Computação pela Universidade Federal do Tocantins.
[1]HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: o breve século XX: 1914-1991. Tradução de Marcos Santarrita. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. 22p.
[2]Ibdem. 54p.
[3]BAUMAN, Zygmunt. Isto não é um diário. Tradução de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2012. 167p.
[4] GALEANO, Eduardo. O teatro do bem e do mal. Tradução de Sérgio Faraco. Porto Alegre: L&PM, 2006.

quarta-feira, 16 de julho de 2014

Exposição: Salvador Dalí

Sábado passado, dia 12 de julho, fui com minha amiga francesa Lea conferir a tão esperada exposição das obras do Salvador Dalí (1904-1989) no CCBB do Rio. Só pudemos concordar com nossas expectativas: que a mostra está impecável! São cerca de 150 obras do artista, entre pinturas, desenhos, gravuras, fotografias, ilustrações, documentos e vídeos.


A maioria das obras é referente ao período surrealista, mas logo no início da exposição já somos apresentados a algumas fases um pouco desconhecidas de Dali, como as obras impressionistas, cubistas e abstratas. Ou seja, é uma exposição bem completa que nos leva a conhecer as várias facetas do artista e a sua evolução artística.

Além das diversas fases, o que mais me chamou a atenção foram as ilustrações que Dalí fez para diversos clássicos da literatura universal. Os desenhos inspirados em Don Quixote de La ManchaO Velho e o Mar e O Fausto são de uma beleza e profundidade incríveis. Aliás, acho que nenhum artista vai conseguir reproduzir tão bem as passagens de Alice no País das Maravilhas!


A museografia da exposição ficou muito boa. As obras estão bem organizadas, dispostas em ordem cronológica e bem iluminadas. No entanto, as legendas foram afixadas com uma certa distância dos quadros, o que dificultava um pouco na compreensão das obras. Outro problema que percebi é referente aos vídeos. O áudio de alguns deles só podia ser acessado por um fone. Logo, se o fone estivesse ocupado, era necessário esperar a pessoa terminar de usá-lo, algo que não é compatível com uma exposição desse porte.

De acordo com a curadora da exposição e diretora do Centro de Estudos Dalilianos da Fundação Gala-Salvador Dalí, Montse Aguer, esta é a maior reunião de obras do artista já feita no Brasil. Na verdade, essa exposição foi criada para o Brasil: cerca de 95% dos trabalhos expostos são inéditos por aqui! Foram necessários cinco anos para reunir todos os trabalhos. As obras vêm das principais instituições colecionadoras do artista: Fundação Gala-Salvador Dalí, em Figueres, Museu Nacional Centro de Arte Reina Sofía, em Madri, e o Museu Salvador Dalí, na Flórida. Já os livros e documentos foram cedidos pelo Centro de Estudos Dalilianos.

Salvador Dalí fica em cartaz no CCBB-RJ até 22 de setembro e depois segue para o Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo, onde poderá ser visitada de outubro a dezembro deste ano.


DICA: Chegamos por volta das 10 horas da manhã e não tivemos nenhum impedimento. Saímos em torno de meio dia e a fila já estava do lado de fora do prédio! Portanto, cheguem cedo!

quarta-feira, 9 de julho de 2014

A Paris de Assassin's Creed Unity

Há, praticamente, um mês, a Ubisoft anunciou oficialmente o sétimo jogo da série Assassin’s Creed, famosíssima pelas batalhas que revivem grandes épocas do passado, como as Cruzadas, o Renascimento e a Revolução Americana. Dessa vez, o jogo se passará em um dos momentos mais importantes da história: a Revolução Francesa.

De acordo com o site oficial (http://assassinscreed.ubi.com/), o jogo compreenderá desde a Queda da Bastilha até a execução de Luís XVI, isto é, de 1789 a 1794, o período mais violento da Revolução: quando a pena de morte foi mantida e a perseguição aos “inimigos da revolução e da pátria”, o “Terror”, foi ferrenha. Em outras palavras, um momento perfeito para os propósitos do jogo: uma irmandade de assassinos que luta para revelar as forças das trevas que manipulam a Revolução Francesa.

É sabido que a Revolução não se passa apenas em Paris, mas também na área rural, vide os movimentos por parte dos camponeses que atacavam os castelos para destruir os registros feudais, o “Grande Medo” dos nobres proprietários. No entanto, o novo jogo da Ubisoft tem somente a Paris de fins do século XVIII como palco. Parece pouco, até sermos apresentados ao trailer.

O gráfico é de arrepiar! As ruas estreitas, os casebres e edifícios baixos, o amontoado de barracas e pessoas, tudo com uma riqueza de detalhes impressionante! Com certeza, a equipe da Ubisoft teve um grande trabalho de pesquisa para reproduzir a Paris da Revolução, principalmente, por ter restado tão poucos resquícios desse período na urbe atual. A Paris que conhecemos hoje é fruto das reformas de 1851 a 1870 comandadas pelo prefeito Haussmann, uma cidade que estava sendo construída para atender as prerrogativas do mundo moderno e pós-liberal.

A Paris da Revolução Francesa era um espaço que ainda guardava uma razoável harmonia com o ambiente natural, isto é, uma cidade que se adaptava às condições do meio preexistente, às características do terreno e ao percurso dos rios. Essa é a razão das ruas tão estreitas, das casas amontoadas, sem planejamento ou equilíbrio.

E a paisagem urbana da Paris de Assassin’s Creed Unity está tão bem desenhada, que está chamando a atenção, até mesmo, dos especialistas. Por isso, eu decidi fazer uma tradução livre de uma entrevista feita pelo jornal francês “Le Figaro” a um especialista em história de Paris e do século XVIII. Fiquei com a impressão de que a entrevista poderia ter sido um pouco mais profunda, mas é muito interessante mesmo sendo curtinha. Espero que gostem!

"O trailer de Assassin’s Creed Unity passa pelo crivo da História


ENTREVISTA – A Ubisoft revelou essa semana o Assassin’s Creed Unity, o próximo episódio da sua famosa saga de videogame, que se passará em Paris durante a Revolução. Le Figaro pediu a Jean-Yves Sarazin, diretor do departamento de mapas e plantas da BnF, para avaliar a autenticidade histórica das primeiras imagens.

Jean-Yves Sarazin, diretor do departamento de mapas e plantas da Biblioteca Nacional da França, é especialista em história de Paris e mais particularmente do século XVIII.

LE FIGARO – Você acha que o trailer de Assassin’s Creed Unity reproduz fielmente a Paris da Revolução Francesa?
Sim, ele o faz muito bem. Nele, encontramos as características das ruas parisienses: aglomeradas, não muito limpas... À época, as ruas eram o cenário da vida cotidiana e isso fica evidente aqui. Apesar de alguns pensarem de modo nostálgico, a vida em Paris não era confortável. Havia também os resíduos e imundície nas ruas, mesmo já existindo serviços de limpeza. É obviamente impossível reproduzi-las em um jogo de videogame, mas as ruas de Paris não estão tão ruins. Não havia calçadas, o que bem vemos no vídeo.

As casas são semelhantes às quais podiam ser encontradas na época?
Os telhados e as fachadas são fielmente reproduzidos, esta é uma grande obra de reconstituição. Paris já era uma cidade de pedra nessa época, já não havia muitas construções em madeira, como mostrado no trailer.
Quando estamos no segundo distrito e nas áreas centrais, nós podemos ver uma quantidade de imóveis construídos na época. Prédios de quatro a cinco andares, os andares inferiores com um pé direito alto. Vemos também que os telhados parisienses são íngremes e sem terraço, esses últimos não existiam no norte da França.
Os interiores são bastante autênticos, mas é muito fácil reproduzi-los fielmente; há uma série de pinturas datadas deste período, pelas quais os criadores puderam se basear.

A população que vemos nas ruas corresponde aos parisienses de então?
Sim, nós vemos, por exemplo, a periferia de Saint-Antoine, nas imediações da Bastilha. É especialmente ali que encontramos os trabalhadores de Paris. Embora, deve-se ter em mente, havia muita pouca segmentação social em Paris. Não era de um lado a burguesia, as classes médias de outro. Havia uma mistura social muito mais sistemática do que a Paris de hoje, apesar de que algumas áreas já eram ricas em sua maioria.
Obviamente, a Revolução é um momento especial. Estamos, então, em um momento de turbulência, que se reflete nas ruas.

Você reparou alguma incoerência nos vídeos apresentados pela Ubisoft?
O que não aparece nos trailers são os cavalos. Entretanto, havia 200 mil cavalos em Paris – que, não podemos esquecer, era muito menos vasta do que hoje. Dessa forma, mesmo que todos eles não estivessem na rua, a quantidade seria grande. O cavalo era essencial para a vida cotidiana.
Vemos também um pouco de neblina no vídeo. Na verdade, havia muito neblina na época; a visibilidade em Paris não era muito boa. Todo mundo tinha um “foyer” na casa para aquecer e preparar as refeições. A queima de madeira, inevitavelmente, emanava uma grande quantidade de fumaça. Isso, certamente, diminuiu no verão, já que os parisienses não iriam precisar de aquecimento.

Você ficou convencido com a reprodução de Paris que pode ser vista no primeiro vídeo?
Sim, é muito interessante. Eu não encontrei nenhum anacronismo, quer no sentido de antiguidade, ou na direção da modernidade. Além disso, se quisermos ter uma ideia de como era a vida na Paris do século XVIII, é só irmos à Nápoles. Quando estamos no centro histórico de lá, e ignoramos os carros e telefones celulares, vemos como é a vida da cidade no seu exterior, exatamente como foi o caso de Paris.

A entrevista original pode ser vista aqui: http://www.lefigaro.fr/histoire/culture/2014/06/13/26003-20140613ARTFIG00419-la-bande-annonce-d-assassin-s-creed-unity-passee-au-crible-de-l-histoire.php

quarta-feira, 2 de julho de 2014

Por que ler os clássicos


Sempre tive o desejo de ler uma obra do Italo Calvino (1923-1985), mas só me caíam nas mãos alguns de seus artigos. Até que dias atrás encontrei numa biblioteca a primeira edição de “Por que ler os clássicos” publicada pela Companhia das Letras em 1993. Por ser um livro póstumo, seu conteúdo se divide em 36 artigos de diferentes datas, organizados pela esposa de Calvino, que tratam de clássicos da literatura antiga à contemporânea.



Para mim, o mais interessante de todo o livro é a introdução, na qual ele explica a importância de se ler os clássicos. A escrita de Calvino é impecável e tenho certeza de que não vou conseguir explicar melhor do que ele, mas só vou destacar as questões que me despertaram a atenção e me ajudaram a lidar com o tema.

Segundo Calvino, um clássico é uma obra que gera um “efeito de ressonância” que tem a capacidade de perdurar além do tempo de sua produção. Nas palavras do autor, “os clássicos são aqueles livros que chegam até nós trazendo consigo as marcas das leituras que precederam a nossa e atrás de si os traços que deixaram na cultura ou nas culturas que atravessaram (ou mais simplesmente na linguagem ou nos costumes)”.

Em decorrência da palavra “clássico”, logo fazemos uma associação com obras muito antigas, no entanto essa denominação se encaixa também para as obras modernas, mas que já tenham conquistado um lugar próprio numa “continuidade cultural”.

Geralmente, nossa primeira aproximação com os clássicos se dá no período escolar, quando somos apresentados aos ícones da literatura nacional. Lembro-me que só de ouvir os nomes de Machado de Assis, Lima Barreto, Aluízio de Azevedo, já ficava arrepiada! Achava um absurdo ter de ler obras tão chatas. Mas, como poderia considerá-las chatas, se nem ao menos as tinha lido? E quando li “A Moreninha”, por exemplo, me derreti de amores pelo Joaquim Manoel de Macedo! E essa é uma das características dos clássicos: “quanto mais pensamos conhecer por ouvir dizer, quando são lidos de fato mais se revelam novos, inesperados, inéditos”.

De acordo com Calvino, o papel da escola é fundamental para que conheçamos um certo número de clássicos, querendo ou não. Esse contato nos oferece instrumentos para efetuar opções futuras de leitura e, dentre elas, escolher os “nossos” clássicos. Além disso, devemos ser apresentados aos textos originais, evitando as adaptações, interpretações ou bibliografia crítica, pois “nenhum livro que fala de outro livro diz mais sobre o livro em questão”.

A leitura da juventude é formativa no sentido de dar forma às “experiências futuras, fornecendo modelos, recipientes, termos de comparação, esquemas de classificação, escalas de valores, paradigmas de beleza: todas, coisas que continuam a valer mesmo que nos recordemos pouco ou nada do livro lido”. Ao mesmo tempo, pode ser pouco profícua pela “impaciência, distração, inexperiência das instruções para o uso, inexperiência da vida”.

Dessa forma, “ler pela primeira vez um grande livro na idade madura é um prazer extraordinário (...). A juventude comunica ao ato de ler como a qualquer outra experiência em sabor e uma importância particulares; ao passo que na maturidade apreciam-se (deveriam ser apreciados) muitos detalhes, níveis e significados a mais”.

Calvino também ressalta que, geralmente, os clássicos são aqueles livros dos quais se ouve dizer: “Estou relendo...” e nunca “Estou lendo...”. No entanto, “o prefixo reiterativo antes do verbo ler pode ser uma pequena hipocrisia por parte dos que se envergonham de admitir não ter lido um livro famoso”. Lembro-me que uma vez estava desfilando com um exemplar de Orgulho e Preconceito e me perguntaram se o estava relendo. Na verdade, era a primeira vez que tinha a oportunidade de ter a obra em minhas mãos e, diante da pergunta, acabei confirmando com a cabeça, pois me pareceu ridículo uma moça de, na época, 22 anos nunca ter lido o clássico da Jane Austen. Mas, Calvino nos tranquiliza ao dizer que por maiores que sejam as leituras “de formação” que tenhamos feito, resta sempre um número enorme de obras para serem lidas futuramente.

Além disso, a releitura de um clássico é uma leitura de descoberta. Se os livros mudam à luz de uma perspectiva histórica diferente, por que não mudariam diante de nós, que somos “metamorfoses ambulantes”? Dessa forma, “usar o verbo ler ou reler não tem nenhum importância”!

Mas, se não bastassem os clássicos, ainda somos o tempo todo bombardeados pelas produções atuais e pelos best sellers. Fica difícil saber conciliar entre um e outro. Mas, segundo Calvino, “o rendimento máximo da leitura dos clássicos advém para aquele que sabe alterná-la com a leitura de atualidade numa sábia dosagem”. Portanto, cabe a cada leitor saber reservar seu momento para cada tipo de leitura.

E para terminar, fecho com as próprias conclusões de Calvino:
“A única razão que se pode apresentar é que ler os clássicos é melhor do que não ler os clássicos. E se alguém objetar que não vale a pena o esforço, citarei Cioran: “Enquanto era preparada a cicuta, Sócrates estava aprendendo uma ária com a flauta. ‘Para que lhe servirá?’, perguntaram-lhe. Para aprender esta ária antes de morrer’”.