quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Sobre janelas

Não pertenço a ninguém e pertenço a todos; 
antes de entrar, você já estava aqui; 
aqui você permanecerá depois de partir.
Denis Diderot

Guardo comigo algumas peculiaridades. Uma delas é fotografar janelas, geralmente, no sentido do interior para o exterior. Agrada-me registrar um ângulo fixo, delimitado pelas esquadrias, um ponto de vista único. 

Por detrás da vidraça admiro a paisagem que ali cabe. Concentro meu olhar nas linhas que se unem para formar o horizonte distante. Observo atentamente os recortes dos edifícios, o caminhar dos transeuntes. Meus pensamentos me transportam para as mãos construtoras desse panorama, aos homens e mulheres que deram vida a esse meio. Quantos, antes de mim, não se apaixonaram por esta mesma paisagem? 

Imediatamente, criam-se laços afetivos entre mim e o mundo além da moldura. E, ao me aproximar dos caixilhos, deparo-me com meu próprio olhar refletido no vidro, um olhar ávido por assegurar todos os detalhes, tão certo e decidido, mas também, admirado. 

A sobreposição de imagens transfigura-se em poesia: eu, que não me vejo na paisagem, me descubro parte dela. A janela, que me permite ver o que está do lado de fora, me conduz a enxergar o meu interior. Pergunto: terei eu me tornado outra em tão poucos segundos? Certamente, porque eu não somente vi, mas contemplei.

Uma das janelas do Palácio Tiradentes, Rio de Janeiro. Registro de 2010.

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Exposição: O Rio de Machado

Estar na cidade do Rio de Janeiro é um privilégio. Além das belas paisagens, da boemia dos cariocas, do clima agradável, a cidade é repleta de histórias. Uma ruela, uma escadaria, um prédio ou até mesmo o recorte do horizonte: tudo está embrenhado pelo testemunho do passado. Cada canto da cidade guarda vestígios das camadas do tempo e poder decifrá-los faz parte daqueles prazeres rotineiros de quem percorre as ruas do Rio. Na verdade, essa é a graça: deixar um pouco os pontos turísticos de lado e embrenhar-se no seu emaranhado de ruas, prédios e pessoas do cotidiano da cidade. 

Por ser um local de referência no mapa brasileiro desde o século XVI, tendo sido, inclusive, capital por 197 anos (de 1763 a 1960), o Rio de Janeiro foi palco dos principais fatos da história do país. Temos maior proximidade com tais acontecimentos através de livros de história que trabalham com propriedade fontes primárias de períodos específicos. Mas é possível se familiarizar com o passado do Rio por meio de referências mais sutis e agradáveis, como os romances da literatura nacional. 

E quando pensamos em literatura e Rio de Janeiro, não há como não citar o nome de Machado de Assis. Além de ser o ícone dos romancistas brasileiros, Machado de Assis é referência em testemunhos do Rio do século XIX e início do XX. Ao narrar as histórias de seus personagens, Machado de Assis também deixa conhecer a paisagem, os costumes, o modo de vida do Rio de Janeiro de sua época. Por meio de seus contos e romances somos transportados a um Rio que não existe mais, mas que, ao mesmo tempo, insiste em se manter presente! É impossível ler as grandes obras de Machado e não criar correspondência com os locais mencionados.

Poder conhecer in loco os espaços nos quais se travaram os grandes acontecimentos do passado é, sem dúvida, uma oportunidade emocionante. E foi essa a experiência que pude desfrutar através da exposição O Rio de Machado. Com idealização e curadoria da Artéria (Daniela Name e Gabriela Dias), a exposição tem por objetivo a divulgação e promoção do acesso à obra de Machado de Assis. Além da ocupação e de seminários no Museu de Arte do Rio (MAR), a exposição é composta também por passeios.

Imagem de dilvugação da exposição.

Ocupação nos pilotis do MAR.

Os passeios literários consistem em visitas guiadas pelos principais pontos do Rio de Janeiro citados nas obras de Machado de Assis. Eles ocorrem todo sábado das 11 às 14 horas e o último acontece no próximo sábado, dia 01 de novembro. Eu participei do passeio de sábado passado, dia 25 de outubro. Nossa concentração se deu nos pilotis do MAR onde foram formados dois grupos compostos, mais ou menos, por 30 pessoas. Nossa caminhada seria orientada pela guia Beatriz Tognarelli ou, simplesmente, Bia. Após as devidas apresentações, fomos conduzidos para o lado de fora do museu, onde nos foi apresentado o Morro da Conceição e a Zona Portuária do Rio e suas manifestações nos romances de Machado, principalmente em Memórias Póstumas de Brás Cubas e Quincas Borba.

Narrativa da nossa guia Bia, muito simpática e com tudo na ponta da língua! Próximo do Morro da Conceição.

Logo em seguida, tomamos a direção da Av. Presidente Vargas indo até a igreja da Candelária. Depois das devidas explicações, seguimos pela Rua 1º de Março fazendo uma rápida parada na Rua Teófilo Otoni, conhecida como Rua das Violas no tempo de Machado, onde ficava o escritório de advocacia do tio Cosme, personagem de Dom Casmurro. Dali, nos dirigimos até a Rua do Ouvidor, um dos pontos mais importantes do Rio de Janeiro oitocentista e citado tantas vezes por Machado (Ressurreição, Iaiá Garcia, Memórias Póstumas, Dom Casmurro, Esaú e Jacó). Depois, seguimos para a Rua Gonçalves Dias para desfrutar um cafezinho na Confeitaria Colombo, importante comércio existente desde 1894 e muito frequentado por Machado.

Confeitaria Colombo. 1. Detalhes da fachada. 2. Interior. 3. Doces. 4. Ladrilhos.

Da Confeitaria, seguimos para a Praça Tiradentes, lugar que se mistura com a vida e a obra de Machado já que ali ficava a tipografia na qual trabalhou ainda jovem. Em seguida, tomamos a Rua do Lavradio até chegarmos ao Largo da Lapa. Em frente aos aquedutos, relembramos os romances que se passam nos arredores, em algum lugar de Santa Tereza, na Rua de Matacavalos (atual Riachuelo), ou na Glória (Iaiá Garcia, Quincas Borba, Dom Casmurro). Logo, chegamos no Passeio Público, palco de importantes acontecimentos em Iaiá Garcia e Dom Camurro. Por fim, nos dirigimos a Cinelândia, onde finalizamos nosso passeio literário.

O passeio, sem dúvidas, foi uma atividade muito agradável. Apesar da longa distância que caminhamos, nem deu pra cansar! Os detalhes dos romances de Machado escondidos nas simetrias do Rio nos transportaram para uma outra dimensão, onde nos esquecemos do tempo e do espaço: quando nos demos conta o passeio já havia terminado. É claro, que há muito mais do Rio na obra de Machado mas, um passeio que abarcasse todos os locais em um único dia seria impossível. Dessa forma, os organizadores da exposição ainda tiveram o cuidado de elaborar um aplicativo compatível para Android e Apple que pode ser baixado gratuitamente. 

Imagens do aplicativo. 1. Abertura. 2. Página principal do romance "Memórias Póstumas".

Nesse aplicativo estão reunidas informações sobre os nove romances de Machado de Assis. Ao clicar sobre um deles, são dispostos os cenários cariocas citados no romance em questão. Além do trecho da obra aludindo ao local, ainda há um mapa para localização, fotografias da época e informações históricas. Além disso, é possível baixar o e-book de cada romance! Com o aplicativo, um amante de Machado de Assis vai poder ter informações extras sobre os locais citados em suas obras e, ainda, poder montar o seu próprio roteiro de passeio. Sem falar que, mesmo com o fim da exposição, vamos poder usufruir dela com um simples toque na tela do celular. Uma ideia simplesmente fantástica!

Depois disso tudo, não há como não se apaixonar mais ainda por Machado e, também, pelo Rio.

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Um dia para cultivar histórias e jardins

Sábado passado, dia 18 de outubro, Nova Friburgo recebeu a visita de Jean-Pierre Bériac, professor da Escola de Arquitetura e Paisagismo de Bordeaux. Pesquisador da história dos jardins, da paisagem e da arquitetura neoclássica, Bériac é também especialista em estudos sobre o paisagista Auguste Glaziou. Sendo Nova Friburgo depositária de duas das principais obras de Glaziou no Brasil, o professor empreendeu uma terceira visita à cidade, dessa vez com o intuito de expandir seu conhecimento sobre o assunto.

Sua visita foi coordenada pela Dra. Ana Pessoa, Diretora do Centro de Memória e Informação da Fundação Casa de Rui Barbosa. Ela propôs uma visita aos jardins do Parque São Clemente. Originalmente denominado Chácara do Chalet, o Parque São Clemente é um dos lugares mais conhecidos e visitados do município de Nova Friburgo. Foi criado na década de 1860 pelo Barão de Nova Friburgo, Antonio Clemente Pinto, adquirido por Eduardo Guinle já no século XX (1912) e tombado pelo Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em 1957, quando foi instituído como clube privado. Além dos jardins românticos projetados por Glaziou, considerados pelo especialista Carlos Fernando Delphim como um dos jardins românticos mais belos e mais bem preservados do país, a propriedade conta com a casa-sede, em estilo chalé, projetada pelo arquiteto alemão Gustave Waehneldt e preserva estuques e pinturas originais de grande riqueza de detalhes.


Lago central do Parque São Clemente/ Nova Friburgo Country Clube. Foto: Regina Lo Bianco.

O objetivo dessa nova visita do professor Bériac ao Parque São Clemente era lhe proporcionar conhecer o Chalet e também a parte dos jardins que se encontram em propriedade dos descendentes de César Guinle, os quais ele não teve oportunidade de visitar anteriormente. Sendo assim, nosso dia dedicado a cultivar histórias e jardins, começou às 10 horas da manhã. Fomos recebidos por um dos filhos de César Guinle, Maria Helena Flores Guinle. Muito gentil e prestativa, Maria Helena já havia separado algumas fotografias e documentos para mostrar ao professor. Sendo docente de francês e também tendo morado muitos anos na França, a língua não foi uma barreira para a anfitriã e ficamos mais de uma hora entretidos em conversas e viagens ao passado.

Em seguida, fomos fazer um tour pelo jardim da propriedade. O dia estava propício para a caminhada, com um belo sol a iluminar a paisagem. Durante o passeio fomos desvendando as belezas de um jardim privado e bem cuidado que, apesar da construção intencional, se apresenta como natureza selvagem. De acordo com Maria Helena, quando a propriedade foi comprada por seu avó Eduardo Guinle dos descendentes do Barão de Nova Friburgo, foi realizada uma grande recuperação de toda a área, incluindo os jardins de Glaziou e o terreno onde seria construída a casa da família. Para tanto, foram contratados profissionais especializados, dentre eles o artesão italiano Paulete, responsável pelas alamedas. Amante dos animais, Paulete organizou um grande jardim zoológico no terreno. No local onde hoje está a casa da família foi construído um enorme cercado para a disposição dos animais. Segundo depoimento de César Guinle [1], lá havia aves raras vindas da Amazônia e do exterior, como os "grous" africanos, marrecos, emas e antílopes da África os quais davam saltos imensos que extasiavam a todos!

Tour pelo jardim de propriedade dos Guinle.

Após o passeio pelo jardim, nos dirigimos ao Nova Friburgo Country Clube para a visitação do Chalet, a casa-sede da propriedade. Lá, fomos recebidos pelo Diretor de Patrimônio, Roosevelt Concy, o qual, além das boas vindas, fez uma breve explanação sobre a situação atual da casa que passa por obras emergencias de sua estrutura. Apesar daquelas confusões de qualquer obra (andaimes, escoramentos, móveis embalados), o professor Bériac se mostrou encantado diante da beleza dos estuques e pinturas da construção.
Jean-Pierre e Roosevelt no interior do Chalet.

Acredito que a visita do professor Bériac foi um importante evento para nós pesquisadores de jardins históricos. Geralmente, por estarmos diariamente enfrentando os problemas referentes à conservação de patrimônios culturais, nos enfastiamos diante das dificuldades de preservação de tais monumentos e, quando recebemos um visitante alheio as nossas questões, somos revigorados pelas manifestações de prazer e regozijo que ele demonstra diante da riqueza que temos. Quem sabe também, através do professor, teremos a oportunidade de estreitar laços com instituições de pesquisa francesas, podendo, no futuro, executarmos projetos em conjunto, o que para o Nova Friburgo Country Clube, proprietário dos jardins de Glaziou, seria uma oportunidade de exportar sua imagem, principalmente ao que concerne à preservação de jardins históricos. Sem dúvidas, esse encontro representa  o início de belos projetos vindouros!

Registro da visita ao Chalet.

[1] MEMORIA ORAL DEPOIMENTOS-ENTREVISTAS VOLUME I / CESAR GUINLE / PREFEITURA DE NOVA FRIBURGO SECRETARIA DE EDUCAÇÃO E CULTURA / Maria Suzel Soares da Cunha (Diretora do Departamento de Cultura) / JULHO 1985. Agradeço à Maria Helena pelas informações e fonte aqui citadas.

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Viagem a Belo Horizonte

Quinta-feira passada, dia 09 de outubro, viajei rumo a Belo Horizonte para participar do 14º Seminário Nacional de História da Ciência e da Tecnologia (14snhct.sbhc.org.br). O evento, organizado pela Sociedade Brasileira de História da Ciência (SBHC), teve duração de quatro dias e contou com conferências, mesas-redondas, minicursos e simpósios temáticos. De acordo com o Caderno de Resumos do seminário, o SNHCT deste ano contou com mais de 900 participantes, um recorde de participação que indica o crescimento da comunidade de pesquisadores da história das ciências no Brasil.


Minha apresentação foi encaixada no simpósio sobre desenvolvimento econômico, ciência e tecnologia, coordenado pelo professor Luiz Carlos Soares, da UFF. Tratei sobre a tecnologia empregada na construção da Estrada de Ferro de Cantagallo, um dos temas abordados na minha dissertação de mestrado.

Aproveitei a oportunidade de estar pela primeira vez na capital mineira para passear e conhecer alguns pontos turísticos do local. Como também pesquiso jardins históricos, não poderia deixar de visitar os pincipais parques da cidade. 

No sábado pela manhã, visitei a Praça da Liberdade localizada na região central. Criada ainda na época da fundação da capital (1895-97), ela conta com um traçado típico dos jardins clássicos: linhas e alamedas retas, espelhos d'água, repuxos, corbeilles (canteiros exclusivamente de flores), além da arte topiária (poda de árvores e arbustos). Além de um belo e agradável local de socialibilidade, a praça é reconhecida como um dos principais circuitos culturais do Brasil. Seu entorno reúne vários museus e galerias de arte, como o CCBB, a Casa Fiat da Cultura, o Espaço do Conhecimento UFMG, o Memorial Minas Gerais - VALE, o Museu das Minas e do Metal e o Palácio da Liberdade.


Em seguida, fui passear no Parque Municipal, distante cerca de 1 km da Praça da Liberdade. Esse parque é um belo exemplo dos jardins românticos do século XIX. Projetado pelo paisagista francês Paul Villon, aluno do famoso Auguste Glaziou, foi inaugurado em 1897. Em seus 180 mil metros quadrados, há muitos lagos cortados por alamedas sinuosas ladeadas por todo tipo de árvores e plantas. Há ainda muitas pontes imitando troncos de árvores, pavilhões, ruínas e recantos pitorescos, tão comuns no ideal romântico. Numa parte do jardim, havia também diversos brinquedos de parques de diversões e acabei indo na roda gigante pra conferir a paisagem do parque lá de cima. Foi uma experiência muito divertida! Além disso, também remei num dos lagos. Apesar de nunca ter feito isso antes, até que me saí bem e pude ver o parque de um outro ângulo.


Após o almoço, fui conferir as atrações da Pampulha. Lá estão localizadas as principais obras do modernismo brasileiro. Desci do ônibus no ponto próximo à Igreja de São Francisco de Assis. Com projeto de Oscar Niemeyer de 1940, também conta com um belíssimo afresco de Cândido Portinari. A visitação ao interior é cobrada e custa R$ 2,00 a entrada inteira. Lá dentro não é permitido fotografias devido aos direitos autorais. Como é possível ver o interior por uma grande parede de vidro, muitas pessoas não visitam a igreja. Eu optei por visitar e, afirmo, que foi uma experiência belíssima. Lá dentro, sem nenhuma interferência do exterior, eu pude ver os detalhes das tesselas, os quadros da via crucis, a sutileza das curvas da abóbada. Diante do afresco de Portinari é impossível não se emocionar! Do lado de fora, a lagoa nos oferece uma bela vista e a ótima companhia das fofíssimas capivaras!


Em seguida, resolvi fazer uma visita guiada ao estádio de futebol do Mineirão. Percorri a distância de mais ou menos 1 km para saber que as visitas já haviam acabado naquele dia! Fiquei um pouco indignada e decepcionada por ter caminhado embaixo daquele sol de uma hora da tarde e dar com a cara na porta. Então decidi dar meia volta e ir até a Casa do Baile, mais 2 km pela frente... Trilhei as bordas da lagoa, o que foi bem agradável. Mas, confesso, que no meio do caminho já estava desesperada por nunca avistar a casa! Quando lá cheguei, meus pés e minhas pernas estavam doloridos. Mas logo me esqueci desse detalhe diante da beleza da construção. A Casa do Baile, também projeto de Oscar Niemeyer, conta com um jardim do paisagista Burle Marx que se comunica perfeitamente com a edificação e com a marquise em forma livre. Construída para ser um restaurante dançante, hoje a casa abriga o Centro de Referência de Urbanismo, Arquitetura e Design.


Não aguentando mais continuar o percurso a pé, resolvi chamar um taxi (não há ônibus!) e ir até o Museu de Arte da Pampulha. Infelizmente, nenhum dos taxis que passavam estavam disponíveis. Dessa forma, eu achei melhor fazer o retorno e ir até a Casa Kubitschek. Consegui pegar um taxi e, em poucos minutos, eu estava diante da residência de campo de JK. À primeira vista, a casa já é estonteante. A arquitetura modernista também de Oscar Niemeyer (1943), com telhado borboleta e platibanda com detalhes em madeira, localizada aos fundos de um belo jardim de Burle Marx, forma uma paisagem elegante e aconchegante. No seu interior, estão o mobiliário original da casa, testemunho dos hábitos e do modo de morar de meados do século XX. Há intervenções artísticas em alguns pontos da residência, como projeções, quadros pendentes e frases afixadas nas paredes, o que torna a visita mais lúdica, viva e emocionante. Os funcionários foram superatenciosos e simpáticos, característica do povo mineiro. Sem dúvida, a Casa Kubitschek foi o meu local de visitação favorito!


Sem energia pra continuar, eu dei por finalizado o meu passeio na Pampulha. Apesar de perder outras atrações de igual importância, eu fiquei satisfeita com os locais que pude conhecer pessoalmente. Com a ajuda de um amigo, ainda consegui ir a Praça do Papa e ao Mirante das Mangabeiras, locais de onde a paisagem da capital mineira se descortina ao nosso olhar. Recomendo!


Dica de hospedagem: Collaborate Design Hostel. Albergue muito bem localizado. Tem espaço numa belíssima casa modernista com uma decoração contemporânea e descontraída.

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Ciclo de palestras sobre a história de Nova Friburgo

Durante o mês de setembro, entre os dias 05 e 26, participei da organização de um ciclo de palestras sobre a história de Nova Friburgo em comemoração aos 190 anos de estabelecimento da Igreja Luterana  no município.

Cartaz de divulgação do Ciclo de Palestras ilustrado com o símbolo da IECLB e com a fachada do prédio da Igreja Luterana construído em meados do século XX.

Na verdade, o aniversário da Igreja Luterana ocorreu no dia 03 de maio, data em que chegaram os primeiros imigrantes alemães à Nova Friburgo e também ao Brasil, em 1824. Eles traziam consigo a profissão de fé luterana e, assim, deram origem à primeira igreja protestante da América Latina.

Nas comemorações do dia 03 de maio deste ano, celebramos um culto de ação de graças bilíngue com a participação das principais autoridades da IECLB (Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil). Mas, devido à data simbólica, sabíamos que era necessário expandir as celebrações. Dessa forma, o partor Adélcio Kronbauer, que exerce o pastorado desde o final de 2010 em Nova Friburgo, teve a ótima ideia de realizar um ciclo de palestras.

Por eu ser historiadora, recebi o convite do Pr. Adélcio para ajudá-lo na organização. Concluímos, em primeiro lugar, que a Igreja Luterana representava um local privilegiado para um evento desse porte, já que os seus 190 anos de existência se confundiam com os 196 anos de história do município de Nova Friburgo. Portanto, a Igreja Luterana acompanhou os principais fatos do passado friburguense e ainda hoje desempenha importante papel na socidade local.

Em segundo lugar, nosso objetivo era proporcionar ao público um distanciamento do senso comum e das informações banalisadas e permitir-lhes uma aproximação da pesquisa histórica baseada em fontes primárias. Para tanto, precisaríamos contar com profissionais especializados, o que não é uma dificuldade em Nova Friburgo, um município que conta com um número expressivo de pesquisadores.

Dessa forma, entrei em contato com os especialistas mais renomados de nossa cidade para propor-lhes a atividade. Todos eles foram solíticos e aceitaram o convite prontamente! Além disso, se disponibilizaram em forcener seu trabalho gratuitamente!

Nossa primeira palestra, dia 05 de setembro, contou com a participação do Dr. Jorge Miguel Mayer que falou sobre o “Cotidiano e religiosidade na colônia de Nova Friburgo”.  O professor Jorge Miguel é historiador pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, mestre em Studi Europei pela Università degli studi di Roma Tre e doutor em História pela Universidade Federal Fluminense. Atualmente é professor titular da Universidade Federal Fluminense. Seus principais estudos versam sobre a imigração, a colonização e a região rural de Nova Friburgo. Coordenador da publicação “Teia Serrana: formação histórica de Nova Friburgo”.

O Dr. Jorge Miguel Mayer durante sua palestra.

A segunda palestra, dia 12 de setembro, intitulada “A industrialização em Nova Friburgo”, foi proferida pelo Dr. João Raimundo de Araújo, historiador pela Universidade Federal Fluminense, especializado em História do Brasil pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, mestre e doutor em História pela Universidade Federal Fluminense.  Atualmente é professor titular da Faculdade de Filosofia Santa Dorotéia, membro do corpo editorial da Revista História e Lutas de Classes e presidente da Comissão da Verdade de Nova Friburgo. Os seus trabalhos mais significativos tratam da industrialização e urbanização de Nova Friburgo e, também, a construção do mito da “Suíça Brasileira”. Coordenador da publicação “Teia Serrana: formação histórica de Nova Friburgo”.

O Dr. João Raimundo de Araújo durante sua palestra.

No terceiro dia de palestras, 19 de setembro, recebemos a Me. Maria Janaína Botelho Corrêa que nos presenteou com a palestra sobre “O clima de Nova Friburgo: um ator histórico”. Janaína Botelho possui graduação em Ciências Jurídicas e é especialista e mestre em História. Atualmente é docente da Universidade Cândido Mendes de Nova Friburgo onde ministra a disciplina de História do Direito. Além de sua coluna semanal no jornal A Voz da Serra sobre a história de Nova Friburgo, é muito conhecida por suas publicações. A principal delas se intitula “O Cotidiano de Nova Friburgo no Final do Século XIX: Práticas e Representação Social”.

A Me. Janaína Botelho durante sua palestra.

Nosso último dia de palestras, 26 de setembro, foi fechado com "chave de ouro" pelo Dr. Ricardo da Gama Rosa Costa que trouxe uma comunicação sobre o "Cotidiano e Política no entreguerras”. Ricardo é historiador pela Faculdade de Filosofia Santa Dorotéia, mestre e doutor em História pela Universidade Federal Fluminense. Atualmente é professor adjunto e coordenador do curso de História da Faculdade de Filosofia Santa Dorotéia e membro do corpo editorial da Revista História e Lutas de Classes. Possui vasta produção bibliográfica dentre artigos, capítulos e livros, os quais abordam, principalmente, a economia e a política do século XX.

O Dr. Ricardo Costa durante sua palestra.

No decorrer do mês de setembro, através dos quatro dias de palestras, recebemos um público de 98 pessoas, formado por estudantes, profissionais, aposentados, mas, acima de tudo, pessoas interessadas em saber mais sobre a história de nosso município. Por meio das palestras, o público teve a oportunidade de ter um contato mais aproximado com a história comprometida com a pesquisa e tirar suas dúvidas com especialistas. Além disso, tenho certeza que todos nós que acompanhamos as palestras, pudemos refletir sobre o passado, sobre as suas heranças que ainda se fazem presentes e o nosso papel diante dos fatos atuais. Esse é o maior legado da história: nos ajudar a refletir e participar ativamente da construção da nossa sociedade.

O Pr. Adélcio diante do público na estréia do Ciclo de Palestras.

Para mim, poder participar da organização do evento foi uma espécie de realização pessoal. O meu papel foi um trabalho de formiguinha, nada demais se comparado ao dos palestrantes. Participo da comunidade luterana há cinco anos e durante esse tempo já cantei no coral da igreja, atuei nas peças de natal, ou ajudei na recepção de visitantes. Mas essa foi a primeira vez em que pude fazer uso da profissão à qual me dedico. Beruf, em alemão, significa mais do que uma profissão, mas sim, um dom, uma missão. E, através do Ciclo de Palestras, finalmente eu me senti realizada em poder usar o meu conhecimento profissional para contribuir no papel social que a igreja desempenha.

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Exposição: Frida Kahlo

Dia 18 passado estive em Curitiba, capital do Paraná, para resolver algumas questões burocráticas e aproveitei para conferir a exposição "Frida Kahlo - as suas fotografias" no Museu Oscar Niemeyer (MON). Na verdade, a visita foi uma espécie de obrigação já que o MON será o único museu do Brasil a expor as fotografias da artista mexicana. Além disso, a exposição estaria disponível para visitação, inicialmente, entre os dias 17 de julho e 17 de agosto deste ano, todavia, só no primeiro dia de abertura o museu bateu recorde de visitação: 1,2 mil pessoas, o maior número desde a inauguração do espaço em 2003. A exposição no MON também já é recorde em âmbito internacional, tendo recebido mais de 50 mil pessoas só no primeiro mês. Devido ao grande sucesso, a mostra foi prorrogada até dia 07 de dezembro. Portanto, a exposição é um evento único do qual eu não podia ficar de fora!



A exposição conta com 240 fotografias do acervo pessoal de Frida Kahlo (1907-1954), imagens que ela foi acumulando e guardando com meticuloso cuidado e carinho ao longo da vida. Anexo à sala, é também exibido um documentário sobre a vida da artista chamado “Natureza ferida. Memória viva de certos dias”, com produção e realização de Salvador Camarena Rosales e Eduardo Patiño, com quase 27 minutos de duração. A exposição se divide em seis seções através das quais vamos conhecendo a história pessoal da Frida, uma das maiores artistas plásticas do século XX. A primeira parte é dedicada aos pais da Frida composta por aquelas fotografias de família que retratam ocasiões especiais, como primeira comunhão, casamentos e festas. Por meio dessas imagens, somos apresentados ao universo oitocentista mexicano, apesar da particularidade das famílias Calderón e Kahlo.

Frida com 5 anos. Anônimo (1912). Museu Frida Kahlo. (MON, divulgação)

Na segunda seção já somos conduzidos ao mundo de Frida. Lá estão as fotografias que retratam os principais eventos de sua vida, como os dias em que ela repousou em sua cama para se recuperar das cirurgias que havia feito em decorrência de um grave acidente e ganhou de seu pai um cavalete adaptado para poder continuar a se dedicar à pintura; os belos momentos entre amigos e ao lado de seu grande amor, Diego Rivera, na sua Casa Azul.

Frida pintando em sua cama. Anônimo (1940). Museu Frida Kahlo. (MON, divulgação)

A terceira seção é bem curiosa e nos mostra o lado mais íntimo de Frida. Há fotografias que sofreram intervenção da artista, foram coloridas por ela, recortadas, ou até mesmo ganharam os contornos de sua boca, na forma de um beijo! Essas fotografias estão repletas de simbolismos e poesia. A quarta parte expõe a vida íntima por meio de fotografias de amigos e amores. A quinta seção traz fotografias de diferentes temas reunidas por Frida, como cartões de visita típicos do século XIX e retratos de grandes fotógrafos e de amigos pessoais. A sexta e última seção foi reservada para as imagens referentes à questões políticas, principalmente as ligadas ao partido comunista, ao qual Frida era associdada, e também às grandes fábricas do período, como a montadora Ford.


Diego Rivera (no seuestúdio de San Ángel). Anônimo, (ca. 1940). Museu Frida Kahlo. (MON, divulgação) 

Segundo a historiadora Ana Maria Mauad Essus a fotografia é uma importante fonte para conhecer a trajetória de personalidades, famílias ou grupos sociais. Para ela, as fotos possuem mensagens que, ao serem analisadas, possibilitam a recuperação de representações. De acordo com Miriam Moreira Leite, esse exercício de leitura da imagem é significativo no momento em que a fotografia "reproduz da condição do retratado, o que silencia desse grupo e os indícios que permitem o observador perceber ou sentir outros níveis de realidade: sentimentos, padrões de comportamento, normas sociais, conformismo e rebeldia”. Portanto, através da leitura do acervo de fotografias de Frida Kahlo podemos conhecer pormenores e paricularidades do cotidiano e também dos sentimentos que acompanhavam a artista. Com certeza, saímos de lá com "uma parte" da alma de Frida, tão bem preservada em imagens eternas.

Registro da minha presença na exposição.

quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Um livro que leva a outro, ou como conheci Janusz Korczak

Quem gosta de uma boa leitura não precisa de muito pra abrir um livro: uma capa charmosa, um pocket que dá pra levar pra todo lugar, um preço em conta. Às vezes, o próprio livro te leva a outra leitura. E isso está cada vez mais comum. Muitos jovens, após lerem a série Crepúsculo, foram em busca do livro da Emily Brontë, o clássico “O Morro dos Ventos Uivantes” que é citado durante a história. E, mais recentemente, as vendas do “Diário de Anne Frank” aumentaram graças à febre do autor John Green, “A Culpa é das Estrelas”, devido à visita dos protagonistas a casa onde a jovem se refugiou durante a 2ª Guerra Mundial.

Esse tipo de coisa já aconteceu comigo também, é claro! Mas há um caso especial que se destaca entre os demais. Ocorreu durante a leitura do romance de Diane Ackerman, “O Zoológico de Varsóvia”. Essa obra é baseada em fatos verídicos e transporta o leitor para os anos da Segunda Grande Guerra. Acompanha-se os detalhes desse acontecimento não pelo ponto de vista dos detentores do poder nazista, mas sim, por meio de simples pessoas, testemunhas oculares dos horrores da destruição, que vivenciaram e sofreram num dos piores momentos da história da humanidade.


Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.

Jan e Antonina formaram um casal apaixonado por animais que cuidou e direcionou o Jardim Zoológico de Varsóvia, capital da Polônia. Através dos escritos de Antonina, a autora Diane Ackerman revela o dia-a-dia dos cuidados do zôo e é quase possível sentir a brisa fria e o cheiro das flores de tília, como também os zunidos dos animais. Aos poucos, o leitor se depara com os rumores de guerra e também sofre com as expectativas. Até que, os boatos ficam para trás e dá-se início à essa terrível batalha que se tornou a mais injusta e impiedosa, tanto por seus macabros ideais, como também pela sua artilharia.

Jan e Antonina tiraram partido da obsessão dos nazistas com animais raros, "para salvar centenas de vizinhos a amigos ameaçados de extinção". Esconderam pelo território do zoológico e também na própria casa, quantos refugiados judeus puderam, colocando em risco suas vidas. O zoológico era um dos terrenos mais visados pelos alemães, "o coração do acampamento nazista", sendo inclusive alvo de suas caminhadas par se exercitar, e foi uma difícil tarefa mantê-los longe de suspeitas sobre o que realmente acontecia ali dentro.

Ao longo do livro, histórias paralelas de outros heróis são contadas, altruístas que dedicaram suas vidas a salvar outras, que disseram apenas que não fizeram nada mais do que era o certo a ser feito. Foram "pessoas comuns, nem impecáveis nem mágicas, e que a maioria permanece desconhecida a vida inteira, embora opte por perpetuar a bondade, mesmo em pleno inferno".


Uma dessas pessoas citadas no livro me chamou atenção. Seu nome é Henryk Goldzmit, mas seu pseudônimo é mais famoso: Janusz Korczak (1878-1942). Médico que exercia a pediatria, Korczak abandonou sua carreira promissora em 1912 para fundar um orfanato destinado a crianças de sete a quatorze anos de idade. Quando, em 1940, os judeus receberam ordens nazistas de se mudarem para o Gueto de Varsóvia, o orfanato foi transferido para o “bairro dos amaldiçoados”. Lá, Korczak protegeu, o quanto pode, crianças inocentes das atrocidades de um dos períodos mais tenebrosos da história. Todavia, o dia da deportação para o campo de extermínio chegou em 6 de agosto de 1942. Korczak, prevendo a calamidade e o pavor que tomaria conta daquelas pobres crianças, juntou-se a elas no trem destinado a Treblinka. No relato de Joshua Perle, testemunha ocular do fato, assim foi descrita a cena: “Ocorreu um milagre: duzentas almas puras, condenadas à morte, não choraram. Nenhuma delas fugiu. Ninguém tentou se esconder. Como andorinhas abatidas, elas se agarraram a seu mestre e mentor, a seu pai e irmão, Janusz Korczak”.

As crianças a caminho de Treblinka. Fonte: Michael Radoszewski

A força e a compaixão de Korczak por aquelas crianças também me comoveu e eu precisava saber mais desse ser humano tão corajoso e abnegado. Foi assim que eu descobri o lado pedagógico de Korczak. Ao se dedicar às crianças do orfanato, ele se tornou um verdadeiro educador. Foi precursor na luta em prol dos direitos da criança e do reconhecimento de total igualdade infantil. Registrou seu conhecimento e experiência em diversos livros especializados e também em romances. Dessa forma, cheguei a um de seus livros intitulado “Quando eu voltar a ser criança”. Nele, um adulto cansado de seus problemas sonha com os tempos áureos da infância e magicamente volta a ser uma criança. Sem perder a memória de adulto, ele revive as descobertas da infância através dos olhos da criança que se tornou.

Tradução de Yan Michalski. São Paulo: Summus, 1981. 16ª edição.

Em fevereiro de 2010, logo após a leitura do livro, eu escrevi sobre: O mundo nos molda, pressiona e aperta, até adquirirmos o formato da dureza, fruto das vivências. Porém, já houve uma fase em que a pureza habitava nosso ser. É provável que ainda guardemos alguns resquícios desse longínquo tempo chamado infância, mas, com certeza, muitas são as lembranças que já se apagaram. Quando nos deparamos com uma criança, parece que nos esquecemos de vez que um dia já fomos uma. Impomos nossa força e inteligência sobre elas, crendo na nossa superioridade. Nossa mente anda tão poluída com as preocupações do mundo adulto que acabamos por ignorar tudo o que se passa dentro desses pequenos seres. "Quando eu voltar a ser criança" é um livro encantador que, por meio dos olhos de uma criança, (re)ensina todos os sonhos, medos, descobertas, perdas, alegrias e tristezas de que é feito o mundo infantil. Um mundo tão cheio de cores, mas que podem se desbotar quando a inocência perde espaço para a realidade do crescer.

Espero que aqueles que estiverem lendo este texto também se sintam tocados pelo belo exemplo de Janusz Korczak e busquem conhecê-lo melhor através de seus livros e de sua história.


quarta-feira, 3 de setembro de 2014

O charme da BKF

Há certas coisas nesse mundo que, muitas vezes, estão distantes de nossa realidade, mas fazem parte de nosso imaginário. O maior exemplo disso, para mim, é a cadeira BKF. Antigamente, eu nem sabia que esse era o seu nome, na verdade, não tinha informação alguma sobre a peça, mas, dentre os móveis de brinquedo da minha boneca Barbie tinha uma BKF, à qual eu chamava de cadeira borboleta. De onde eu havia conseguido essa informação, eu não faço ideia. Só sei que não foi infundada, já que a partir da Segunda Guerra Mundial, quando o direito de produção da BKF foi comprado pela empresa norte-americana Knoll, ela passou a ser chamada de Butterfly.

Acredito que, muitas pessoas como eu, já ouviram falar da BKF, conhecem-na por nome ou por fotografia, mas nunca tiveram oportunidade de ter informações mais precisas. Pensando nisso, trago para o post de hoje um pouco da história dessa cadeira, considerada uma das grandes obras do design industrial.

A BKF foi desenhada em 1938 pelos arquitetos do Grupo Astral, o catalão Antonio Bonet (1913-1989) e os argentinos Juan Kurchan (1913-1972) e Jorge Ferrari-Hardoy (1914-1977), cujas iniciais deram o nome à peça. Os três se conheceram em 1937 nos estúdios de Le Corbusier em Paris. Ter convivido e trabalhado com o “Bach” da arquitetura foi, provavelmente, a grande influência para a criação de um dos ícones da modernidade. A BKF é composta por uma estrutura curva de aço de 12 mm formada por uma espécie de dois triângulos cruzados os quais são forrados por uma peça de couro. Visualmente, ela proporciona a impressão de leveza e simplicidade ao misturar os conceitos de rusticidade e industrialização.

Fonte: arxiubak.blogspot.com.br

É claro que os artistas, apesar da criatividade, também se apropriaram da evolução estética do mobiliário para criar a BKF. Dessa forma, vemos uma grande semelhança entre a BKF e a Tripolina, cadeira em madeira de acampamento militar criada pelo inglês Joseph B. Fenby ainda no século XIX. Por sua vez, essa mesma cadeira foi inspirada pelas mobílias de viagem que precisavam ser leves, práticas e confortáveis.

Em julho de 1940, a BKF foi exposta na terceira edição do Salon de Artistas Decoradores de Buenos Aires onde conquistou dois prêmios e reconhecimento nacional e internacional. A BKF também atraiu a atenção do Curador de Design Industrial do Museum of Mordern Art de Nova York, Edgar Kaufmann jr. [sic] (ele não gostava do “júnior” em letra maiúscula). Kaufmann declarou que a BKF era um dos maiores esforços do design moderno e comprou dois exemplares por 25 dólares cada, sendo um deles reservado para compor o acervo permanente do museu.

 Exemplar original pertencente ao acervo do MOMA. Fonte: MOMA.

Em 1944, a BKF ganhou o prêmio de Aquisição do MOMA e, no ano seguinte, foi exposta no Pavillion Jeu de Pomme de Paris. De invenção e objeto de arte, a cadeira BKF se tornou popular e passou a fazer parte de muitos lares, principalmente após a Segunda Guerra Mundial. Importantes personalidades adotaram a BKF como uma espécie de cadeira inspiradora! Os seus traços simples em conjunto com o aspecto grosseiro do couro permitiam ao usuário a adoção de diversas posições, proporcionando a sensação de aconchego do deitar em uma rede, elemento tão comum da cultura argentina.

Ítalo Calvino e sua BKF. Fonte: byricardomarcenaro.blogspot.com.br

Atualmente, é muitíssimo difícil conseguir um exemplar original, mas há muitas empresas de design de interiores especializadas na reprodução fiel da cadeira modernista. Inclusive, o couro tem sido substituído por diversos tipos de tecidos e estampas. Apesar de seus 76 anos, a BKF ainda é muito popular, mas, como manifestaram os autores, ela é mais do que um simples objeto funcional, é também uma obra de arte. E, hoje, ainda traz consigo uma forte carga cultural. Quem tem o privilégio de ter uma BKF decorando a sua casa, não tem apenas um cadeira, mas um dos melhores exemplos de escultura contemporânea.

As diferentes formas de se sentar numa BKF. Fonte: es.paperblog.com

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Xadrez na sala de aula

Muito já se foi falado sobre a importância da utilização do jogo de xadrez em sala de aula. Seja na disciplina de matemática, educações artística ou física, o xadrez é um ótimo parceiro na educação de crianças, jovens e adultos, principalmente, pela sua característica socioeducativa que estimula a cognição. A prática do jogo permite ao aluno uma maior concentração e atenção diante do aprendizado; desenvolvimento do raciocínio e, até mesmo, da imaginação.

De acordo com os enxadristas Felix Sonnenfeld e Idel Becker, o xadrez pode ser definido como jogo, ciência e arte. Ou seja, em uma única atividade, são reunidos o esporte, com sua competição e divertimento; o estudo, com a pesquisa e o descobrimento; e a beleza, com sua admiração e harmonia.

O ideal seria estabelecer o xadrez como uma disciplina e não somente como ferramenta educacional complementar. Mas, enquanto as grades escolares não são modificadas, os professores podem fazer uso desse jogo de tabuleiro em suas aulas. Eu mesma já fiz isso, durante o meu estágio no período de faculdade de História.

Dois livros básicos sobre xadrez. Um com as regras e estudo dos movimentos e o outro sobre a história do jogo. Sob eles está a minha mesa de xadrez, em madeira marchetada, original do século XIX.

Como o tempo de disciplina é curto, não me foi possível esmiuçar todos os detalhes do jogo, nem mesmo me detive em explicar o objetivo e o movimento das peças. No entanto, fiz uso da imagem simbólica do xadrez para explicar a sociedade feudal da Idade Média europeia.

Dessa forma, dividi a turma em grupos e os ajudei a organizar as peças no tabuleiro. Inicialmente, fiz uma pequena introdução à história do xadrez. Apesar de grande controvérsia, a maioria dos historiadores concorda que o xadrez nasceu a partir da combinação de jogos de guerra e azar e jogos de lógica e estratégia, provavelmente alguns séculos antes de Cristo em alguma região do Oriente.

O jogo de xadrez chega a Europa por duas vertentes, tanto pela invasão de Espanha, Portugal e da França pelos árabes no início do século VIII, como também pelas rotas comerciais na região do Mediterrâneo. A chegada da cultura islâmica na Europa trazia consigo os conhecimentos do oriente. Os europeus assimilaram e adaptaram os costumes orientais ao seu modo de vida. Dessa forma, o jogo de xadrez ganhou uma nova cara, deixou de lado as representações dos soberanos asiáticos e da fauna típica, como os elefantes, para dar lugar aos reis e aos cavalos.

A partir daí, expliquei como se dava a organização do mundo medieval na Europa ocidental. Segundo o grande medievalista Jacques Le Goff, o feudalismo foi “um sistema de organização econômica, social e política baseado nos vínculos de homem a homem, no qual uma classe de guerreiros especializados – os senhores –, subordinados uns aos outros por uma hierarquia de vínculos de dependência, domina uma massa campesina que explora a terra e lhes fornece com que viver”.

Dessa forma, expliquei aos alunos que no xadrez está representada a composição social e política do feudalismo. Vejamos: em primeiro lugar, o xadrez é um jogo de guerra, isto é, dois exércitos lutam num campo de batalha com o objetivo de vencer o inimigo. Durante os primeiros séculos que compreendem a Idade Média, os europeus conviviam com a realidade das invasões de território. A guerra era um hábito e se preparar para ela era considerado mais do que normal, e sim, necessário.

Em relação às peças, a principal delas é o Rei representando os nobres (o poder temporal), os quais detinham a posse das terras e se dedicavam basicamente às atividades militares. Diferentemente do jogo oriental que não possuía a figura feminina, o xadrez europeu permite ao Rei a companhia de sua consorte, a Rainha. E, acredito eu, esse fato se dá, principalmente, para expressar a união cristã, ou seja, a influência da Igreja Católica nas decisões políticas e ideológicas. Tanto é, que no tabuleiro também o clero (o poder espiritual) está representado através dos bispos.

Os cavalos retomam o sentido da guerra, já que eram uma das grandes armas a serem utilizadas no campo de batalha. As torres fazem menção aos castelos medievais. Logo à frente dessas peças estão os peões que seriam uma espécie de infantaria do exército. Mas não deixam de representar os servos, isto é, os trabalhadores que compreendiam a maioria da população camponesa, responsáveis pelos trabalhos necessários à subsistência da sociedade.

Durante a aula, consegui percorrer sobre essas características, além de discutir a troca de conhecimento entre os povos, a assimilação de costumes e o por quê de até hoje jogarmos xadrez com peças referentes à Idade Média. Apesar de não tido tempo para ensinar as regras do jogo, as quais uns já sabiam, a grande maioria ficou interessada em aprender e, penso eu, que voltaram para casa com a intensão de jogar um pouquinho.

E, mais do que isso, tenho certeza que os alunos conseguiram compreender de forma lúdica a organização de uma sociedade que para eles é muito distante e de difícil absorção. Ao estabelecer a comparação entre o jogo e o feudalismo os alunos conseguiram entender o conteúdo da disciplina sem grandes esforços ou fórmulas decoradas. Ou seja, aprenderam brincando!

Na foto, eu aos 12 anos de idade acompanhada do meu primeiro professor de xadrez, Luiz Carlos de Oliveira, no clube de xadrez da escola. Os professores são grandes incentivadores!

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Visita: SENAI Espaço da Moda

A cidade de Nova Friburgo é conhecida em todo o país pela sua grande indústria de moda íntima. Muitos turistas visitam o município em busca da variedade de opções, da qualidade dos materiais e, também, dos baixos preços dos produtos. A ênfase da produção está na confecção de roupas íntimas femininas e maculinas, mas as lingeries sensuais, as roupas de dormir e as modas fitness e praia também são muito comuns.

O título de "capital da moda íntima" já vem desde a década de 1990, mas a relação de Nova Friburgo com a indústria têxtil remete aos princípios do século XX quando, após a inauguração de energia elétrica, empresários alemães instalaram suas fábricas de fios e bordados (Arp - 1911) e artefatos de tecido, couro e metal (Ypu - 1912) na cidade. Em 1925, o município passou a contar com a Fábrica Filó, especializada em filó de diversos tipos e outros tecidos e, em meados do século, contou com a criação de mais duas empresas, a Sinimbu (1953), produtora de fitas, e a Hak (1958), uma fábrica de fusos.

Em 1980, uma crise financeira levou a fábrica Filó, já vendida para a multinacional Triumph, a se reestruturar. Diante da reorganização de seu quadro funcional, mais de 600 empregados foram demitidos da empresa. Muitos deles, não tendo outra opção de serviço, utilizaram seus conhecimentos em costura para criarem seus próprios produtos. Dessa forma, iniciaram suas próprias confecções de roupa. Antes mesmo deste fato acontecer, já havia um número relevante de pequenas empresas, de caráter familiar mesmo, que fugiam do desemprego. Com a demissão em massa da Filó, ocorreu um aumento das confecções e o consequente acirramento entre elas, incentivando, assim, a diversificação e o barateamento dos produtos.

Desde então, Nova Friburgo conquistou um espaço no mercado nacional e internacional. Todos os anos, desde 1990, acontece na cidade a FEVEST, a maior feira de moda íntima do país, responsável pela divulgação e expansão dos negócios locais. Na edição deste ano, que aconteceu durante os dias 2, 3 e 4 de agosto, a Feira contou com uma nova programação: a inauguração do tão esperado SENAI Espaço da Moda. E, durante, esta semana, eu estive lá para conferir as novidades do local.


O Espaço da Moda está localizado numa das dependências da antiga fábrica de Rendas Arp (extinta em 2011). É um prédio amplo e que foi muito bem aproveitado para as novas finalidades, contando com instalações amplas e infraestrutura adequada. O objetivo principal do Espaço é se constituir como ponto de referência aos assuntos relacionados à moda íntima, tanto para estudantes como para profissionais. Para tanto, o Espaço oferece aulas através de cursos técnicos, desde os assuntos relacionados à costura, modelagem e planejamento de produção, até a manutenção de máquinas de corte e costura, e oferece suas salas e auditório, para reuniões, consultorias e conferências para aqueles empresários que sintam a necessidade de se atualizar e contar com o apoio e conhecimento de especialistas.

O térreo conta com as salas de aula e também com o laboratório de manutenção de maquinário, um local repleto de máquinas de costura, tanto mecânicas como eletrônicas, à disposição dos alunos. A fim de aproveitar o espaço, essas máquinas são acopladas a suportes de madeira que são armazenados numa espécie de estante. Para sua utilização, basta escolher um modelo e deslizá-lo pela estante. Há uma empilhadeira para desempenhar o transporte, evitando o carregamento de peso por parte do aluno. Enfim, o tabuado é apoiado em um outro suporte de metal, que lembra uma mesa e, dessa forma, o aluno pode, em um único local, usufruir de diversos tipos de maquinário. Além dessa otimização do espaço, foram confeccionados, pelos próprios técnicos do SENAI, expositores do funcionamento dos sistemas das máquinas de costura que consistem, basicamente, na apresentação do interior desses objetos, não somente estáticos, mas também em uso!

No primeiro andar, além de salas de aula, há também a biblioteca e materioteca. A biblioteca conta com um grande acervo de livros sobre os temas de arte, moda e desing, além de computadores. A materioteca é composta por uma espécie de araras onde estão dispostos as diferentes tipologias de tecido, através dos quais é possível compreender, por meio do olhar e do toque, o feitio do pano. 



O segundo patamar conta com um espaço voltado tanto para o público em geral como para os empresários. Lá estão o auditório, as salas de desenho e costura dos designers e as salas para workshops e reuniões. Há também um café e um espaço interativo com pufes e tapetes. O corredor de ligação entre esses espaços funciona também como local de exposição.




A exposição atual se intitula "Cenário #lingerie" e trata da história da moda íntima, desde 1900 até os dias atuais. É composta por pequenos textos explicativos sobre as mudanças no mundo da lingerie em cada década do século XX além de contar com belíssimas ilustrações. Para conhecer um pouco além do que está exposto, é só garantir para si um catálogo. Há a versão física, mas também a digital que é possível ser acessada aqui: www.firjan.org.br/espacodamoda.




Sem dúvida, o SENAI Espaço da Moda vai trazer muitas novidades para toda a região. E não só sobre o mundo da moda, já que a instituição envolve diversas áreas, desde arte até tecnologia. Nova Friburgo, uma cidade tão grande em ideias, estava precisando de um espaço voltado para a disseminação do conhecimento e da cultura.